quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A província - avaliação e história sobre um 1°turno eleitoral

... o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.
João Guimarães Rosa - Grande Sertão veredas

Padre Antonio Vieira escreveu: "Para nascer, Portugal; para viver, o mundo". Neste espírito, ao tratar de avaliações eleitorais, é impossível deixar de considerar a província. Vivo em uma cidade-pólo onde observo o mundo a partir de uma universidade federal: Juiz de Fora, MG. Cidade de 530.000 habitantes, quinta maior arrecadadora do Estado, pólo de mais de 2 milhões de habitantes, centrada em comércio/serviços e uma economia industrial relativamente diversificada - montadora, siderúrgica, construção civil, química. Do ponto de vista eleitoral, 386.600 eleitores, dos quais participaram efetivamente do pleito - retirando abstenção, votos nulos e brancos - cerca de 74% do total. A cidade vem votando em segundo turno desde 1992; nenhum dos candidatos, todo este tempo, passou de 41% dos votos efetivos no primeiro turno. Como detalhe adicional, há 30 anos (desde 82) três nomes sempre estiveram à frente do executivo - um candidato do PMDB (Tarcísio Delgado), um do PSDB (Custódio Mattos) e um de vários partidos (PJ, PFL, agora PSL). O primeiro, por três vezes; o segundo outras duas e o terceiro mais duas. Considerando a história recente, dois deles - Tarcísio e Custódio - tem carreira originada ainda nos anos 70, o primeiro como político e o segundo como técnico, primeiro do IPEA e depois assessor de Itamar Franco. O terceiro, Bejani, tem origem de radialista, na esteira dos políticos que emergiram com Collor e depois permaneceram combinando oportunismo com demagogia. Este ultimo terminou perdendo o mandato em 2008, após ser inclusive detido por corrupção.
Desde 1992, com o aparecimento do 2º turno eleitoral nos municípios maiores de 200.000 eleitores, a cidade flertou com candidatos "diferentes" dos três. Em 1992, com o petista Paulo Delgado, amargando um quarto lugar mesmo crescendo no fim do 1º turno; em 1996 com Reginaldo Arcuri, candidato tucano próximo a Custódio que chegou em terceiro; em 2000 com Renê Matos, ex-Reitor da UFJF pelo PSB; em 2004 com João Carlos Vitor Garcia (PPS), mesmo terminando em quarto teve surto de crescimento limitado; em 2008 com Margarida Salomão (PT). De todos, apenas Margarida em 2008 foi ao 2º turno, pois os demais lá não chegaram. O flerte terminou em desmonte: todas as novidades sucumbiram na política local e mesmo nacional ou estadual até 2004. Em todos os pleitos de 2º turno, entretanto, sempre lá estiveram, ganhando ou perdendo, Tarcísio, Custódio ou Bejani. Para tornar a equação mais significativa, e compreender melhor o cenário local, o ex-presidente Lula ganhou aqui TODAS, sim, TODAS, as eleições que disputou para a Presidência. Para governador, o pleito sempre foi disputado com resultados muito díspares, onde o próprio ex-governador Aécio, que julga-se como a maior liderança de Minas, enfrenta dificuldades.
O pleito de 2012 aparece com Custódio novamente como candidato, com uma taxa de rejeição parecida com a indicada para Serra em São Paulo. Muitos acreditaram, inclusive este que escreve, que seria possível quebrar parte desta rejeição e ele apresentar-se como alternativa à liderança isolada, sempre próxima de 40%, da candidata Margarida Salomão, enquanto o terceiro candidato precisava construir-se como candidato e alternativa. Quem cresceu durante a campanha foi justamente o candidato do PMDB, Bruno Siqueira, político de 38 anos, duas vezes vereador, no segundo mandato saindo na metade para cumprir sua eleição de deputado estadual em 2010. Sem rejeição, flanou em nado livre galgando progressivamente posições até chegar, ao final, ao patamar de 40%, contra 37% (números arredondados) da candidata do PT. Custódio marcou 20%, mesmo reduzindo sua rejeição em 15 pontos.
A questão importante é: por que?
1 - cenário nacional? Ou estadual? Que nada, pleito local, com marcações locais, debate local e excessivamente autocentrado. O apoio de Lula e Dilma na TV a Margarida pode ter ajudado a manter seus patamares, mas não resolveriam a eleição. Custódio foi abertamente apoiado por Aécio e o governador atual, mas esses pouco tem ação sobre a cidade desde sempre;
2 - campanhas muito superiores umas às outras? Engano. A campanha de Custódio foi a mais competente do ponto de vista argumentativo, informativo (pois ele claramente careceu de comunicação eficiente por quase 4 anos) e para "limpar" a rejeição. Margarida fez campanha para quem já estava na liderança, organizando propostas, mostrando o que não foi feito e intentando contribuir para uma maior desconstrução de Custódio. Bruno fez a campanha mais vaga, ainda que com bons instrumentos de comunicação, alimentados por questões candentes e propagandas repetitivas. No caso de Custódio o "belo" revelou-se insuficiente; para Margarida a organização de propostas não ampliou as informações sobre a candidata; para Bruno, propostas " telegráficas" se alternaram em torno do conceito de "novidade";
3- em termos de material, a cidade estava com pouca fartura neste quesito. Assemelhou-se a uma chuva de papéis pouco significativa (afinal, quem decide voto com horríveis "santinhos"?), "mini-doors" (o mundo publicitário adora anglofilia, de "case" a "target"), os adesivos. Poucos comícios . Em minha modesta opinião a Justiça eleitoral é desnecessária, incapaz de controle e sofre pelo excesso de regras. Mas isto é uma conversa para outra ocasião.
4 - lideranças políticas foram decisivas? Improvável. Aécio usa sua força onde ele sabe que tem alguma, pouco faria aqui. Lula e Dilma aqui podem mais, mas não parecem ser decisivos; ajudam mais a sustentar que definir uma avalanche de votos. Tarcísio Delgado pouco apareceu na campanha. Bruno parece solto no ar, ainda que preso ao passado de Itamar.
Creio que esta eleição teve um calendário muito restrito, curto mesmo. Mesmo com a campanha começando em julho/agosto, a TV em agosto, ficou a impressão de um debate acalorado nos últimos 15 dias e um posicionamento do eleitor muito próximo desta data. Margarida e Custódio traziam "recall" (anglofilia, me perdoem) para o bem ou para o mal; Bruno trazia apenas a si. Ambos tinham mais rejeição, (Custódio, no fim, o dobro da candidata do PT) e Bruno combinou a falta dela com desconhecimento sobre si. Sua estratégia foi mais eficiente: vindo quase do nada, abandonando sua história de vida e afirmando sua proximidade com Itamar Franco atuou sobre o imaginário em dois sentidos: o primeiro mostrando sua  "novidade" e sua "juventude" como honesta e bem intencionada; em segundo dizendo que trazia o espírito de Itamar de volta para a cena, pois, como ele, este também assumira a prefeitura da cidade na mesma idade. A estratégia de Margarida foi primeiro falar do PT e suas administrações, depois dela e finalmente das propostas. Detalhe: o PT e Margarida também seriam a diferença, o outro lado do aspecto "novidade" para a eleição. Este fato também foi confirmado pelas urnas.
A racionalidade da campanha do PSDB sucumbiu diante da rejeição e do cenário do "novo". As correntes de opinião não sorriram para Custódio em nenhum momento, mesmo diante de alguém que é uma importante liderança local. A linha de manual adotado pelo PT congelou  a candidatura basicamente onde ela começara, o que era uma estratégia mais de manutenção da liderança e reafirmação da diferença, ainda que mais contra Custódio que contra Bruno. Ainda que esta estratégia tenha eficácia, ela apresenta limites e alguns riscos, o que ficou claro ao fim do primeiro turno. Ao fim, Bruno termina em primeiro e Margarida em segundo. Pela primeira vez desde o advento do 2° turno nenhuma das três forças que dividiram o executivo em 30 anos estarão ali presentes. Por si só, este dado indica que a combinação de "novo" com "inovação" é o recado eleitoral mais claro.
Portanto, nem cenários externos, nem programas de TV "revolucionários" e  mensagens brilhantes, nem lideranças fortes ou material vasto e bem feito. Ao fim, triunfou o desejo de mudar. Trata-se de um conceito vago, difuso, mas que analistas conhecem bem. A campanha de Barack Obama em 2008 não foi somente "yes, we can", foi também, e principalmente "change, we can". Mas como o desejo de mudança não se manifestou assim antes? Afinal, alternativas foram ficando pelo caminho. Mas nenhuma delas parece ter alcançado o sentimento de mudança tão forte quanto agora e isto porque a cidade veio de duas administrações  de nomes tradicionais, identificadas com problemas: primeiro, a eleição de Bejani e o desastre ao alcance de um tribunal penal; depois a decepção estampada na rejeição a Custódio. Com Tarcísio fora, ele que não saiu tão bem avaliado de sua última gestão, adubou o terreno para a impaciência e a novidade. Qual seria então, no 2º turno, a relevância de Custódio, com os 21% que obteve? Difícil saber por duas razões: um apoio explícito pode transferir rejeição? A liderança de Custódio pode carrear votos para Bruno? Que percentual dele efetivamente passa? Pesquisas eleitorais podem aferir isso, aqui, sem elas, somente posso perguntar. A única certeza é que Custódio não apoiaria Margarida. Mesmo que quisesse, e certamente não quer, o quadro regional e federal não permitiria.
A história às vezes pode ser madrasta, mas dificilmente deixa de ter importância. A história recente parece ser de fracassos e o termômetro para a mudança subiu. Se estamos diante de dois candidatos que representam o mote central, qual o cenário? Permitam-me arriscar uma opinião sobre a história. Bruno Siqueira aparece como jovem e capaz na publicidade, mas de onde veio? Como é sua relação com o passado? Itamar? Mas Bruno respira política desde que veio ao mundo, filho e afilhado (no sentido religioso-afetivo) de políticos é o que ele também é. Sua vida política inicia-se na Câmara de Vereadores e, na metade do segundo mandato, vai para a Assembleia Legislativa. Engenheiro de formação, não sei dizer se exerceu a profissão de Engenharia. Margarida começa sua trajetória política ainda nos anos 70, desenvolveu experiência em cargo público em administração anterior na cidade (na década de 80) e foi Reitora na UFJF por dois mandatos. A distância "geracional" que a separa de Bruno é  de 24 anos.
Se o tema da mudança chegou ao podium, o que restará para as campanhas? Acredito que Bruno precisa urgentemente falar de si, do seu passado, de suas opiniões sobre a cidade e até sobre a vida. Precisa mostrar sua história e que sua falta de experiência pode ser um fator positivo. A Margarida deveria importar a associação do tema da "inovação" com a experiência, o novo com a capacidade política - inclusive nacional. Não resta alternativa, do ponto de vista da disputa, a não ser demonstrar ao eleitor que esta combinação pode ser melhor para a cidade e Bruno pouco capacitado em conjugá-la de forma mais eficiente.
O resto será história em duas semanas. Uma campanha virulenta, com denúncias requentadas ou falsificadas, sem debater a cidade, pode ser um dos caminhos escolhidos. Certo é que, agora, o "novo" precisa qualificar-se, afirmar porque veio, sob pena de prometer ao eleitorado um banquete pantagruélico e entregar no fim um almoço com 100 gramas de alimento.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A título de uma avaliação "a quente" - o 1° turno das Eleições Municipais

A eleição municipal passou, ou pelo menos seu primeiro turno. Este pleito foi eivado, por todo o país, de dúvidas quanto ao impacto da ação 470, de uma derrocada do PT e seus aliados, de uma revanche da oposição, do surgimento de novas lideranças. Ledo engano. Senão vejamos:
- confundir eleições municipais com o cenário nacional vem sendo um equívoco repetido ano após ano. Se existe apoio de liderança nacional a um candidato(a) este subsiste pela força do apoiador, não pelo temário político mais geral;
- como correlato, esperar que a ação 470 se manifestasse como deus ex machina e favorecesse a oposição ao PT era um desejo ... e só. Foi somente isso mesmo;
- urnas abertas e o PT permanece sendo o único partido que, ao longo de sua trajetória, continua mantendo o crescimento no número de cidades que administra. Já o DEM (em particular) e o PSDB precisam refletir sobre suas ações e equívocos. Em Curitiba a paróquia tucana expulsou Fruet do quadro e, como prêmio, ficou fora do segundo turno. Para o PT, duas derrotas importantes: o desastre Humberto Costa e em Porto Alegre. Em Recife perde pelos percalços de sua aliança, em Porto para o PDT. Detalhe importante: nada de PSDB ou DEM com relevância neste quadro. 
- não é somente isso. Aumentou o número de eleitores enquanto o PSDB, se perder em São Paulo, aumentará sua frustração;
- Belo Horizonte é uma vitória de Aécio? Em termos. Marcio Lacerda é uma criatura sua e de Pimentel. Imagino como o PT de lá lamenta agora. E Patrus até ameaçou no final ... Mesmo sendo apoiado pelo ex-governador, Márcio é do PSB. E, para mostrar a complexidade da questão em relação ao papel do ex-governador, seus interesses foram contrariados nos maiores colégios do Estado - Uberlândia, Juiz de Fora, Governador Valadares, talvez em Montes Claros, em Uberaba, em Contagem, Ipatinga ... e na sua cidade natal, S.João de Rey onde o PT venceu. Ah, sim, ele apoiou o vencedor em Betim.
- O PSB indubitavelmente cresceu, e tornou Eduardo Campos o interesse da vez. O ex´presidente Cardoso já declarou a necessidade de se aproximar dele. O senso de oportunidade de Cardoso anda um tanto fora de sintonia, uma vez que esta declaração apoiando os "socialistas" foi muito rápida. Aécio corteja Campos há meses. O quadro é difícil porque Campos diz apoiar Dilma na reeleição e o PSB ser um partido importante da base. Márcio Lacerda recebeu algumas pressões e agora o apoio do PSB ao PT em São Paulo deve estar claro. Ah sim e Campos tem projeto próprio para 2018;
- Lula, que é defenestrado ao inferno por muitos (do lixo midiático, mas também por Ferreira Gullar), de certa forma fez duas apostas difíceis: Recife, onde claramente perdeu, e Belo Horizonte, onde perde em parte. Em BH, entretanto, Lacerda esteve sempre perto dos 50%, já Patrus cresceu de forma consistente durante a campanha. Mas, fora isso, ajudar a empurrar Haddad ladeira acima foi uma demonstração de força, mesmo com os mérito do candidato. E existem casos interessantes no interior: como Haddad, Marcio Pochman, professor da UNICAMP e ex-presidente do IPEA, estreou em um pleito e foi ao segundo turno em Campinas, enfrentando lá o PSB. Lula também incentivou e passeou por lá.
- Já no Rio, que me desculpem meus amigos, Paes foi passear na eleição mesmo com todos os seus defeitos, alguns muito nítidos. Freixo apresentou-se como liderança. Esperemos que não faça como Marina Silva, a "vitoriosa" (para a imprensa e os neoverdes de plantão) na eleição presidencial passada que virou suco no liquidificador da política brasileira e foi reduzida à dimensão eleitoral que tem.
- São Paulo terá a "mãe de todas as batalhas". Aqui se digladiam os pares dicotômicos da política nacional e onde o PSDB trava uma luta sobre si mesmo. Serra novamente, com 45% de rejeição e 31% do eleitorado contra os 15% de rejeição de Haddad e 30% do eleitorado. No jogo entram Russomano, com sua fluida base de apoio que "derreteu" na campanha, e Chalita. Soninha e Paulinho onde sempre estiveram: com nada e coisa alguma, ainda que Soninha seja Serra convicta e Paulinho ... sei lá. Aqui voltarão o mensalão (que não foi personagem no 1° turno), descalabros religiosos, grosserias nas ruas e a costumeira "cobertura" da imprensa paulistana. Se Haddad vencer, Lula, Dilma, Haddad e o PT em geral sairão ainda mais fortes - e o PSDB com mais feridas e com um projeto menor. Se Serra vencer ele pode abandonar a Prefeitura de novo em 2014 para seu voo presidencial (chocando-se com Aécio e, quem sabe, Alckmin). Mas, a cidade de São Paulo, que o rejeita tanto e que lhe impôs uma derrota nas cercanias de toda a cidade, permitirá sua vitória? Pode ser, o microcosmo paulistano diz muito ao imaginário político e jamais deve-se subestimar a política amigo/inimigo de Serra (quem sabe um leitor de Carl Schmidt?) ou a verve irônica e furiosa do PT (sua irresistível combinação de Maquiavel e Rousseau) que irrita seus adversários e incentiva seus defensores.
Escrever um dia depois tem seus riscos. Mas é um mero exercício em cenários onde muito se tem a dizer. Foi uma eleição de rupturas? De forma alguma. Com forças inovadoras? Certamente em alguns lugares, não na média geral. Foi mais um capítulo na rotinização da democracia, o que muitos odeiam.
Em breve publico mais um pouco sobre isso. Com pitadas provinciais ...