terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eleições e gerações - sobre algumas raízes da disputa de 2014

     Já foi contabilizado o tempo de uma geração como em torno de 30 anos. Isso no passado, pois a própria velocidade do mundo capitalista contemporâneo, multiplicado por destruição criativa, obsolescência programada, mutações no trabalho e na família em escala acelerada e intercessões local/global encarregaram-se de comprimir o tempo. A política, pensando no Brasil, também tem uma parcela de contribuição nesse cenário.
    Tomemos apenas um exemplo temporal para um  - atenção - exercício:  40 anos atrás estávamos em 1974, para nós a década dos generais Médici e Geisel, do Brasil potência e da grande crise econômica que deixou cicatrizes até os anos 90. Mas, não percamos linhas com essa digressão, voltemos ao tempo. Quem nasceu em 74 teve pais nascidos na década de 50, a última da grande esperança brasileira de desenvolvimento com democracia, promessa que somente retornaria na década de 90 - e de forma parcial e frustrante. Os nascidos em 74 chegaram ao ano mirabilis de 1989, na eleição presidencial, aptos para acompanhar o que acontecia mas não para votar pois eles estavam chegando aos 15 anos. Vivenciaram, mesmo muito jovens, digamos desde os 12 anos, a hiperinflação e continuaram com ela durante o mais instável governo da redemocratização, o de Collor. Ao atingirem 18 anos encontraram o Plano Real e viveram a euforia dos tempos de menor inflação com âncora cambial e atravessaram a década de reformas estruturais e privatização, mesmo que as primeiras tenham sofrido oposição e resistência que limitaram suas ações. Aos 24 anos viram desmoronar a fantasia da quase paridade cambial e o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, que se assemelhou muito a uma lenta agonia de quatro anos, sem o místico sucesso do Real, cenário internacional problemático e sua filiação às reformas neoliberais que terminaram por arremessar o mundo em um mar de incertezas (as crises oriunda dedo México, da Rússia, da Coréia ou da Argentina o confirmam). Aquela geração - de 1974 - agora vivia a decepção de sonhos despedaçados em um país que certamente não era o dos sonhos vendidos pela década de 1990. Seus filhos, já nascidos em 1994, ano do Plano Real, ainda eram muito jovens quando Lula venceu as eleições em 2002, mas foram crianças que cresceram assistindo o país acelerando suas mudanças, chegando aos 16 anos ao fim de seu segundo mandato. E aptos a votar. Filhos de pais que foram do céu ao inferno com a crise de 1998/99, ajudaram a eleger Lula em 2002 e viram o país alterar sua rota em direção a outro projeto - mais inclusivo, mais "social", mais voltado ao mercado de consumo de massas e com resultados econômicos para apresentar - da inflação baixa, ao equilíbrio dívida/PIB, a elevada taxa de emprego formal, a inclusão de amplos setores ao segmento médio de consumo e movimentos para reduzir a desigualdade. Se a conjuntura fosse outra, não haveria Dilma.
    Quem nasceu na década de 60 observava o mundo em um curso maior porque viu quase adulta o fim dos governos militares e a campanha das diretas; adulta votou para presidente em 89 e vivenciou o auge e o fim da hiperinflação. Por isso, mas não somente por isso, conduziu o debate político ao patamar dual que, até esta eleição, opôs PT e PSDB. Isso não é um acidente: a regressão dos conservadores em termos de votos absolutos desde a queda de Collor - envergonhados no PFL (depois DEM) e seus satélites, em partes do sempre partido PMDB - não é coincidência. Recordemos que o PSDB não era essa potência udenista e conservadora até o primeiro governo de FHC. Havia nascido de outro DNA. A mutação foi de FHC para a frente, atingindo seu auge na campanha de Alckmim e Serra e mantendo-se célere nessa marcha até aqui. Seus satélites - como sempre, parte do PMDB, o DEM, o ex-quase-partido PPS - tornaram-se membros do condomínio por falta de competitividade e competência para outro projeto. O PMDB permanece com uma força fincada em dois mundos para usufruir do melhor (e também do pior) de ambos. Após a fracassada tentativa de Ulysses Guimarães em 89, o partido decidiu jogar sua história aos leões e adotar a prática de fiel da "governabilidade", nunca deixando de colocar os pés nos dois lados. 
    E o PT também mudou, passou ao pragmatismo da governabilidade e, sim, afastou-se da geração que o viu crescer, a que mencionei como nascida na década de 60. Aqueles que permaneceram à esquerda sempre desconfiaram da guinada liberal do PSDB nos 90 e permaneceram votando ou em torno do PT e suas alianças. À época dos anos de 1990 ficara longe do PMDB, onde talvez devesse ter permanecido se estivéssemos em outro mundo. A parcela algo centrista e mais conservadora aproximou-se do projeto do PSDB e seu condomínio surfando na economia aberta e dolarizada, sem contar que suas posições ideológicas afinavam-se ao mundo de privatização, desregulação e encantamento com o hemisfério norte, mais os EUA que a Europa. A mudança pragmática da campanha de Lula em 2002, trazendo parte do centrismo ao PT, mais a emergência de uma geração que se frustrara com o PSDB, foi a simbiose adequada para iniciar essa era PT de já 12 anos.
    E a nova geração? Bem, fiz menção ao fato do tempo haver sofrido compressão. Tomemos um jovem nascido em 94 - ano do Plano Real, jovem demais para ver sua queda de forma mais elaborada e que viu a vida de seus pais não exatamente rósea a partir de 1999. Ainda jovem demais viu Lula vencer, em 2002, aos 8 anos. Aos 12 viu sua primeira rodada terminar e assistiu a reeleição. Daí vivenciou, dos 12 aos 16, uma era de prosperidade. Foi ali que encontrou a candidata de Lula, com a promessa de continuar. Dilma venceu não apenas pela incorporação, mas também porque havia uma geração que ouvia e vivenciara outras perspectivas. Sua "voz", parodiando Hirschman, chegou ali e se sentia representada; a opção de "saída" não era viável para a maioria. Eleger Serra era, para parte relevante dessa geração, um risco maior. Mas essa geração - que cresceu em idade mais reflexiva apenas no período em que o PT permaneceu no poder - não tem suas demandas estacionadas.
    Claro que isso não significa que o PT era invencível ou recebia uma maioria acachapante. Não, mas como era rejeitado pelas elites econômicas, os setores médios tradicionais (muitos oriundos da geração de 74 e antes, que temiam o PT "original") acreditando ter seu "modo de vida" ameaçado por integrantes emergentes abaixo no espectro social e  uma parcela conservadora que sempre sobrevive no Brasil (conservadora em termos moral/religiosos e em parte do ponto de vista econômico), vem permitindo sempre a presença de outra candidatura polar no segundo turno. De seus meros 10% do eleitorado na criação, à média de 30% na partida, hoje, o PT conquistou uma geração, mas não vence com facilidade. Portanto, Não há surpresa na polarização em nenhuma eleição e as viúvas que choram a divisão hoje o fazem por mero drama, não por informação reflexiva.
    Então surgiram as jornadas de junho de 2013. Jovens nas ruas, alguns também na meia idade, cantando, difusos nas reivindicações, mas com um sentimento real de insatisfação. Qual geração ali está em 2013? Quem nasceu entre 1990 e 1997, na sua maioria. Trata-se da "juventude liberal", do clube "Von Mises", da Associação Cristã de Moços ou da "Marcha para Jesus" ou pela "Família"? Nada disso. Era simplesmente "queremos mais"; era somente demand overload, de alguma forma o copo estava transbordando por mais mudança. Podem ser feitos esforços para o  apelo a um movimento mais universal por outro política, essa interpretação messiânica de um processo sem atores, um movimento hegeliano e totalizante. Creio que são virtualmente pouco explicativos à luz dos dados que temos hoje.
    Mais saúde, educação, moradia, transporte de qualidade ou ética nunca foram monopólio - antes pelo contrário - da direita ou dos liberais que tentaram desmontar nosso breve sistema de bem-estar social. A esquerda, ou a centro-esquerda, foi quem sempre operou nesse campo com desenvoltura. E aqui vem o drama: o PT, que foi caudatário de grandes mudanças, havia se desconectado dessa geração porque embrenhou-se no jogo da governabilidade sem dosar suas relações de capilaridade para a sociedade organizada e essa emergência de outros atores. Se a oposição  a Dilma não capturou esse público o governo atual também não conseguiu construir pontes. 
     Assim chegamos a 2014. A trágica morte de Eduardo Campos é um interregno que catapultou uma candidata - anti-política, afastada do jogo, candidamente surgindo como diferente - para o centro do palco. A parte descontente, parte relevante do eleitorado, começa a movimentar-se quase como o "efeito-manada" das bolsas de valores. Foi e, uma vez o debate exposto e as fragilidades vistas, vem se reacomodando. Marina cai e Aécio avança para compor o outro pólo. Pode não haver tempo para Aécio, mas nunca se deve subestimar os desesperados. Certo é que o cenário da polaridade aí está, mesmo com a sra. Silva. Se Dilma vencer no primeiro turno, e acho difícil (não impossível, mas difícil) por tudo que escrevi acima, renovará sua força, mas grande parte dos problemas ainda estarão lá e as pressões se intensificarão. Já que o PT, a cada eleição, precisa voltar-se para a centro-esquerda  - é ali que estão os seus - porque não faz um governo afinado com isso? Pouparia tempo e saberíamos com clareza o que defende. O argumento de que não é possível é porque ele se fia em uma aliança monstruosa em tamanho e características. Uma maioria sólida e menos caótica não é mais aceitável? Capilarizar na sociedade e pressionar de fora para dentro não seria um caminho? Perdeu-se muito tempo com alianças pela governabilidade. Necessárias são, mas tentando controlar dois terços de outro poder? 
    Chegamos à semana da eleição. Há um novo ator geracional decidindo o processo, para além  dos já maduros pais e sem conhecer outro pais que não aquele onde cresceu. Nã assistiu ao fim do período militar, não viu a hiperinflação, nem sonhou cm uma globalização sorridente, como nos anos 90. Sua hora chegou, aqueles que vibraram com as jornadas de junho e agora, diante das instituições da democracia e dos atores políticos, precisa se manifestar. Espero sinceramente que se reconheçam em um pais melhor e prefiram olhar para a frente com aqueles que ajudaram a construir esse ponto de partida. Chega do ranço dos anos neoliberais ou de um ecologismo bíblico com reformas de mercado. Querer mais é muito necessário: podemos começar com quem pode nos oferecer mais.

domingo, 28 de setembro de 2014

Para tudo acabar no dia 5 - OU NÃO!

     Pela segunda semana, a candidatura Dilma Roussef suspirou de satisfação. Todos os institutos mostraram seu crescimento, a regressão da sra. Silva e a estagnação do sr. Neves. O IBOPE havia encontrado Neves com 19% desde a semana passada - nos demais patinava em torno de 17%. Pela última "super amostra"do Datafolha - mais de 11000 entrevistas - se Dilma obter entre 5% e 6% dos indecisos ou da flutuação de votos que flui de Marina e podem abandonar Aécio, ela venceria no primeiro turno. Acontecerá? Muito difícil prever, eu particularmente não acredito, mas seria algo tão estrondoso que mereceria páginas e páginas de reflexão. 
     Senão vejamos. Dilma passou três dos seus quatro anos diante da mais implacável máquina midiática contrária ao seu governo, os levantamentos realizados em manchetes e chamadas de TV comprovam facilmente isso, caso do Manchetômetro como pode ser visto aqui. A menos que os delirantes acreditem que este site, oriundo de um grupo de pesquisa do IESP seja formado por membros do comitê de Dilma ou "comunistas mentirosos", o implacável cerco seria sinal claro dos seus problemas em se reeleger. Lula havia enfrentado cerco semelhante, mas parece que com Dilma a loucura da mídia desenvolve requintes de crueldade. E a presidente começou afagando esses meios, defendendo a imprensa, sem nunca enfrentar fortemente seus detratores. Entendo ... mas não aceito como argumento que um setor da sociedade que afeta milhões de pessoas possa se comportar como partido de oposição e que, no Brasil, o dispositivo constitucional que trata da concentração de poder, bem como uma lei que garanta direito de resposta contra assassinato de reputações, não possam ser discutidos pela sociedade democrática.
    Com tudo isso, essa mídia parece incapaz de fornecer qualquer combustível para criar candidaturas de oposição ou alavancas opções. Vejamos o sr, Neves: é candidato há mais de um ano, elogiado pelo ex-presidente Fernando Henrique (que horas ele aparecerá na TV?), com cobertura favorável. Seja por ser uma personalidade limítrofe, seja quase por não ter nome próprio, seja pela força que a imprensa lhe confere, este parece estar navegando em águas revoltas e contra a maré. Desafio qualquer eleitor a apresentar três, apenas três, ideias ORIGINAIS do candidato Neves. Não valem as ideias que ele tira de realizações dos últimos governos de Lula e Dilma. Difícil? Imposssível: comportar-se como coroinha anti-corrupção e detentor de "medidas impopulares" não facilita ninguém. Que fazer com um candidato assim? Apenas ser o anti-PT? Para seus eleitores, todos os 17%, sim. Felizmente o Brasil é muito maior que isso.
     A sra. Silva parece carecer de mais problemas. Da mesma forma, vale o desafio das três ideias originais, mas de sua lavra. Não valem declarações dos doutores Gianetti e Rands sobre choques ortodoxos e Banco Central. Marina não é isso, ela repete isso! Sobre "originalidade" é melhor ouvi-la pregando, como aqui, onde o discurso é repetitivo, lido ou balbuciado e com um certo ar messiânico. O que ela pensa sinceramente sobre política externa? Sobre as grandes obras de infra-estrutura? Sobre política social? Ou mesmo sobre a Amazônia? Suas ida se vindas de acordo com a conveniência são piadas circulando na internet. Qual segurança ela transmite? Com tudo isso, ela permanece em torno de 27%. Existem aqui vários componentes: ódio ao PT, a comoção pelo trágico desaparecimento de Campos e uma difusa defesa da mudança e da anti-política. Há eleitores para este discurso, alguns já abandonaram Neves em nome dele, alguns abandonaram Dilma, outros a sra. Silva trouxe do baú de sua última candidatura.
     Dilma, por sua vez, tem um governo para mostrar. Sim, mostrar agora, porque a mídia lhe negou isso durante todo o tempo. Tem também políticas sociais e ações, tem o Brasil que se livrou da fome (segundo a FAO), tem programas em educação e saúde. Ela parte de um patamar melhor. Não precisa pregar ou gritar impropérios, como um Carlos Lacerda sem a mesma retórica ou inteligência; não precisa apelar à providência (ou ao Gianetti) para encontrar inspiração. 
   A mensagem da semana, se observarmos a campanha, é de mudança mas também de muita continuidade. Nas ruas, campanha insossa, na internet com as disputas de sempre nos grupos de sempre, na mídia permanece a fabricação de versões sem fatos. Nas pesquisas, Dilma cresceu além da margem, voltando ao patamar de 40% que é próximo do máximo que atingiu ao longo de quase um ano de levantamentos. A boa notícia para ela é que subiu consistentemente e o gráfico de sua evolução tornou-se uma "boca de jacaré", com o maxilar superior subindo e o inferior apontando para baixo. 
    Em um cenário desdramatizado nas ruas, um certo enfado com a campanha, o eleitor parece também um pouco cansado com o desenrolar desses dias. Para ouvir Neves, de cada 10 palavras em uma frase usar o PT algo como 7 vezes; para ouvir Marina ir e vir (e se decepcionar com sua tibieza) ou ouvir Dilma que diz que vai mudar mais, é compreensível uma certa impaciência. Melhor para Dilma, nesse caso. Está na frente, conta com o apoio de Lula, tem fatos a mostrar. Seu eleitorado, de alguma forma migrante para outro projeto quando surgiu a sra. Silva, voltou - e voltou quase todo, observemos, bem como a rejeição dos demais subiu. Uma leve olhada no histórico das pesquisas IBOPE ou Datafolha em 2014 mostra que o sr. Neves chegou a 21% - 22%. Com sua exposição atual, diária, na mídia e com retrato nas ruas, ele tem 17% - 19% hoje nos mesmos institutos. Crescimento? Nenhum importante. Foi a sra. Silva que o derrubou? Em parte foi, roubando eleitores. Mas a campanha que o PSDB faz não é somente sofrível - o candidato também o é. Crise de identidade: alçado à presidência como ministro de Itamar, Fernando Henrique não pode aparecer nas campanhas e terminou seu mandato de forma melancólica. Que fazer com o condomínio PSDB/DEM/PPS se não existe projeto nenhum para o pais ou para apresentar decentemente ao eleitorado? Terrorismo econômico e moralismo pós-udenista é muito pouco. 
     A sra. Silva chegou a 20% do eleitorado em 2010 e despontou como promessa. Em 4 anos não foi capaz de formar o partido que queria e nunca participou de momentos decisivos do debate nacional nesse mesmo período. Nada, nenhuma ideia. Por que não discutiu antes seus projetos neoliberais de ajuste estrutural e independência plena do BC? Por que não participou do debate sobre democratização e crise de representação pós junho/2013? 
     Por isso Dilma recuperou suas perdas e até pode, mesmo que eu não acredite muito, vencer no primeiro turno. Menos ambiguidade, menos insegurança para a população, mantém a rota de mudança iniciada com Lula. É isso. O resto são seus detratores: o mercado financeiro e os bancos privados - logo eles, que foram afagados esses anos; a elite econômica economicida e contra "gente diferenciada"; a mídia que se comporta sem escrúpulos e irremediavelmente irresponsável, militares de pijama saudosos de sabe-se lá o que. Mas há também um grupo de cidadãos que quer ser ouvido e considera seu governo com problemas, a precisar esclarecer ações, um grupo de pessoas que emergiu e quer mais, uma geração nova. Esses merecem respeito e ações. Cabe ao governo atual entender isso e ouvir a sociedade, que mais deseja manter seu desenvolvimento que voltar ao passado. O sr. Neves não entendeu isso, ainda que tenha boas chances de ir ao segundo turno; a sra. Silva entendeu, mas parece não ter respondido a altura. Será que esse eleitorado passou a acreditar que com Dilma  o caminho é mais seguro? Se ela encerrar o próximo domingo sem a segunda rodada, temos a resposta. Se ela não o fizer, o embate vai para um segundo turno onde o tema será, mesmo indiretamente, essa nova geração que chegou e até influencia seus pais.

(Este tema de uma nova geração é apaixonante. Escreverei sobre isso essa semana).

    

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Porque voto em Dilma Roussef

Nos últimos anos o Brasil iniciou uma rota de desenvolvimento que já produziu efeitos muito fortes no conjunto dos indicadores sociais e macroeconômicos. Se compararmos o ano de 2002, o último do professor Cardoso, com 2014, não há um índice sequer que possa ser apresentado hoje que esteja em situação inferior àquele triste momento da trajetória brasileira. Inflação, câmbio, dívida pública, relação dívida/PIB, taxa de investimento, a taxa de emprego, índice de formalização da força de trabalho e alhures, acrescidos do índice de Gini, salário médio, política de salário mínimo, contas previdenciárias e programas sociais, somente um desavisado, cego pela paixão partidária ou ódio, moralista de caserna e/ou indignado seletivo pode imaginar que o Brasil de hoje está em um patamar inferior às aventuras liberais dos anos de 1990 e que Dilma está mostrando um país pior que aquele de seu antecessor, justamente o que iniciou a trajetória de já doze anos de mudança. Mesmo com velocidade ainda baixa, a educação apresenta melhorias, mas pode avançar muito mais. A saúde debate-se com o gigantesco projeto de universalizar atendimento, conter o apetite privado e chegar a todos os cantos do país, mesmo importando médicos. Sim, o PIB vem crescendo pouco, a taxa de juros ainda é muito alta, a questão do câmbio e da poupança interna são temas sim de debate e a velocidade da queda da desigualdade não é mais tão espetacular. Mas o Brasil de 2014 está, em uma trajetória de melhorias, a anos-luz do Brasil de 2002.
O projeto atual de desenvolvimento envolve temas como a constituição de um mercado sólido de consumo de massas, bancos públicos em ação anticíclica e como agentes de provimento de crédito, o BNDES sendo parte de uma estratégia de financiamento de empresas e de empreendimentos aqui e no exterior alavancando negócios e investimentos, a Petrobrás gerenciando a maior parte das maiores reservas de petróleo descobertas nos últimos anos. Marcos regulatórios importantes como o do setor elétrico, as obras de infraestrutura e a constituição de compras governamentais, incentivos à produção de conteúdo nacional e políticas de concessão de serviços, mais o estímulo à política industrial e aumento dos investimentos em pesquisa, indicam outro patamar de debate.
Houve mudanças na vida social ao ponto de produzir um relevante movimento para cima, trazendo à cidadania e ao próprio mercado um contingente muito apreciável de homens e mulheres. Este grupo agora mudou de patamar e espera mais, ele olha para o espelho e não mais se vê como o pobre ou envergonhado que não via futuro, ou preferia migrar em busca de emprego. Filhos tem trajetória superior às dos pais, e querem mais. Chegaram ao fim da adolescência em outro país. E querem mais. É justo e é da democracia. Agora podem reivindicar: em 2001 ele podia apenas esperar uma migalha ou o desemprego em um país estagnado e com inflação mais alta que os últimos anos. 
Dilma não enfrentou o monopólio de mídia, não corrigiu a rota dos juros, perdeu parte da confiança de alguns setores industriais e poderia aprofundar mais sua política de direitos e mesmo avançar mais na universalização de políticas sociais. Mas, os passos dados até aqui não podem cessar. Aécio Neves pode aprofundar isso e continuar com nossa trajetória de desenvolvimento? De forma alguma: ele inventou a máquina do tempo para 1995 ou 1999, com seu subinvestimento e desmonte estatal. Marina? Não se sabe direito o que pensa e sua visão de mundo combina mundo bíblico, ecologismo e neoliberalismo, sem que ninguém saiba exatamente como essas forças convivem ou poderão conviver. Marina não faz campanha: prega. Desconfia da ciência e da política. Se segue seus consultores de economia, retornamos ao tempo de FH, Malan e Armínio com ajuste fiscal draconiano, desemprego, contenção de gastos sociais. Se enveredar pelo campo dos avanços sociais desagrada seus parceiros e apoiadores do mercado. Como vai e vem, terminará indo para algum lugar ruim, pois parece ter a ilusão de que governaria com o “melhor de cada partido” e, ao mesmo tempo, sem negociar pelo que ela vagamente chama de “nova política” (com quem? Onde, de que forma?).
Somente Dilma pode, nessa conjuntura, permanecer à frente de um projeto de desenvolvimento dinâmico e inclusivo, pode seguir aprofundando-o. Quem sabe superar os temores em relação à mídia e aos rentistas, quem sabe aprofundando o diálogo social e com o empresariado, ouvindo as forças sociais e virando seu governo à esquerda,remando contra a maré de um vento que vem do passado e ameaça a todos nós com a receita da ortodoxia, do conservadorismo, de uma economia com inserção passiva no mercado internacional e uma política externa de costas para a América Latina, a Ásia e os novos parceiros estratégicos no G20.
O momento não permite hesitação. A conta é excessivamente alta e o risco altíssimo. Dilma é a esperança de aprofundar o que os governos do PT e das forças progressistas permitiram nos últimos 12 anos, ultrapassando todos os indicadores dos 12 anos anteriores a Lula. Votar Dilma é votar com a esperança de quem quer mais, muito mais, olhando, como disse Roosevelt na década de 30, para o fundo da pirâmide econômica, para a tradição que remonta aos governos trabalhistas de Vargas e os desenvolvimentistas como Celso Furtado, para aquilo que o presidente Lula denominava um novo Brasil para todos os brasileiros. Aécio ou Marina? Espero que nunca mais. No dia 5 a esperança pode começar a renascer e Dilma carrega seu nome – com aqueles milhões de brasileiros que conseguem enxergar outro horizonte.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sobre a campanha desdramatizada nas ruas e a agenda não debatida

     Eleições deveriam ser momentos de intensa mobilização, clamores e desesperos. Pelo menos é assim que alguns imaginam, ainda mais quando é a chefia do executivo federal que está em disputa. Que temos? Um cenário de desdramatização. Sem nenhum juízo de valor, alguém poderia me apontar onde reside o formidável interesse do eleitorado pelo processo? As estatísticas de audiência do passado indicam que, na TV, o público atinge seu auge antes da última semana, na verdade a última semana até apresenta declínio de audiência. Toda a história mostra como  o número de indecisos vai declinando gradativamente ao longo do tempo e a afirmação sobre não mais mudar sua escolha vai se consolidando. A espontânea vai se aproximando da estimulada e, voilà, chega o dia. Em nome do fim dos abusos, o congresso e a impoluta justiça limitam as ações e a campanha parece uma daquelas quermesses de igreja nas pequenas cidades onde a arrecadação empata com o investimento, sem que ninguém consiga sair feliz com os prêmios que ganha com a espingarda de ar comprimido. É assim: sem rua, sem entusiasmo, militância paga e com uma agenda tão confusa quanto sermão pentecostal e homilia para a renovação carismática.
     Convenhamos? Campanha insuportável ... . A última estupenda asneira foi um candidato tucano de SP tentando proibir a cor das ciclovias na cidade, elas seriam "petistas". Foi preciso a justiça dizer ao asno - e não tão asno - que existe uma padronização nessa prática. Outra bizarrice é um pastor neoliberal que não diz coisa alguma, um candidato que entra na justiça (sempre ela) contra tuites e a impoluta Marina que quer retirar um site de apoio a presidente Dilma do ar. No último caso, a justiça (de novo ela) acatou alegremente. Como se não fosse suficiente a cada dia somos brindados com pesquisas que nos fazem pensar: como o IBOPE encontrou variação positiva de Aécio sobre Dilma e Marina? Atenção: sou amplamente favorável que pesquisas sejam divulgadas sem a tutela da justiça (sempre ela), com a estultice de registros que não servem para nada.  Mas não é possível que não seja possível tentar compreender o campo quase idêntico do IBOPE e da Vox, metodologias muito próximas, com resultados parecidos, pero no mucho. Eu , na verdade, não compreendo muito o porquê da variação de Aécio além da margem a não ser que ele tenha recuperado muitos pontos em Minas e crescido em São Paulo ou talvez, no sul. Esta é a única explicação e que pode significar, por sua vez, que ele chegou ao seu limite. Com o arsenal moralista e conservador que sua campanha ganhou, Dilma parece, segundo o IBOPE, ter sofrido mais que Marina, no caso. É um pouco surpreendente, ainda mais porque a avaliação do governo é a mesma e a rejeição não se alterou. Esperemos que a semana possa clarear isso mas, por enquanto, vazam ao "mercado" resultados falsos ou verdadeiros e o pregão flutua - e tome ganhos de realização. 
     Quando esperava-se que as surpresas negativas parassem um pouco, eis que aparece mais um economista de Marina. O estupendo exemplar da imprensa livre, o baluarte da família Marinho entre as letras, o Globo, publicou declarações desse senhor Rands dizendo barbaridades deselegantes e reafirmando a ortodoxia. Ninguém sabe exatamente quem ele é, mas ganhou notoriedade porque é um dos economistas desse negativamente surpreendente PSB (ou rede). E, para completar a bizarrice, Marina diz que pretende "mexer"na CLT???? E cita o Gianetti, que estaria estudando isso, porque ainda não sabe direito como fazer? Encerrou o episódio pré-sal, tripé e BC independente - temas os quais ninguém compreendeu direito como seria -  e agora é a CLT? Se o eleitorado prestar atenção em Marina, ouvir o que diz e observar a voz rouca dos seus economistas foge dali pelo cheiro de enxofre. 
     Citei que as pessoas deveriam ouvir Marina, prestar atenção não em seu choro, mas nas declarações de idas e vindas e frases sem sentido. Mas não: parece que uma parte importante do eleitorado não quer ouvir. Segue apenas preferindo. Não vai às ruas, não vai aos comícios (que a justiça ajudou a liquidar), não pode rir na internet (Aécio e Marina censuram). Resta desdramatizar as ruas e esperar que as pessoas votem em promessa vagas, candidatos filtrados pela TV . Nesta eleição temos muitos temas mas, paradoxalmente, nenhum é tão importante que mereça tanto destaque assim. Hora resvala-se para a veia udenista, do apontar o dedo, da calúnia; hora para a loucura vaga. O caso de SP é exemplar: discute-se ciclovia, com a turma da alta renda de alguns bairros chamando de delírio autoritário de prefeito "vermelho". Ao mesmo tempo o eleitor toma água com metais pesados do tal volume morto e isso não é grave? A policia do governador, mais uma vez, dá mostras da truculência descontrolada, mas muitos aplaudem porque os vagabundos invadiram prédios abandonados. E isso tudo se mistura com a eleição presidencial, produzindo uma confusa salada de frutas.
     Como a mídia não quer debater nada relevante, mas agarrar-se à sua versão - e não aos fatos - continua o festival de negatividades. No programa de Dilma na tv houve um momento exemplar, acho que no segundo dia: uma apresentação das obras que ocorrem no país e como elas são escondidas do eleitor comum pela imprensa. Seria muito bom para sua campanha que coisas assim bombardeassem o espectro eletromagnético, mostrando ainda sessões sobre s programas sociais, a redução da desigualdade, as mudanças educacionais. Uma agenda positiva com bombardeio midiático. Importar-se com o esganiçado Aécio e suas denúncias udenistas, parece ter muito menos importância pois ele é a contradição viva: nós esquecemos o aeroporto de sua família, os 90.000 sem emprego colocados para fora do governo de Minas, sobre seu bafômetro ou o mensalão mineiro, alguns temas que Luciana Genro - e não Dima - recordaram a ele em um debate?  Por sua vez, Marina, que parece perder-se por si própria quando fala, deve ser mostrada como é: vazia e sem liderança. Dilma tem um programa cm tempo enorme: 70% dele precisa mostrar o que sonegaram de informação, 30% deveria desconstruir adversários comparando com o que aconteceu em seu governo. Nunca é demais lembrar: o país conhece a presidente e precisa conhecer o que aconteceu, sua agenda positiva; quem precisa mostrar serviço são Neves e Silva. E eles mostram muito pouco - denúncias e ideias vagas. Enquanto isso, o eleitorado segue sua vida um pouco sem olhar para 5 de outubro.
     A campanha vai caminhando para suas duas últimas semanas e talvez, somente talvez, melhore em entusiasmo. Nem adesivos existem muitos- fora os SUVs e importados alemães entusiastas de Aécio. Candidatos nas ruas? Todo dia, mas sempre parece tudo um pouco esvaziado. Sao os próximos 4 anos que virão, mas isso não parece estar sendo um argumento muito considerado. E não é que na internet ela não esteja dramática: está, mas onde sempre esteve e nos mesmos grupos. Sob um eleitorado de mais de 100 milhões de pessoas não são esses grupos que pautam o eleitorado de forma decisiva.
     No fundo, ao meu juízo, existem grandes debates que precisam ser afirmados: o primeiro, a queda contínua e recente da desigualdade; segundo, um padrão de desenvolvimento para o país e, terceiro, a expansão do sistema de proteção social pari passu o desenvolvimento e o crescimento da economia (o que implica também na agenda ambiental) e o quarto o tema das liberdades - como casamento homoafetivo e congêneres mas também a democratização da mídia. E eles não estão sendo feitos por nenhum dos candidatos de forma explícita e didática.
     É isso. O resultado é da democracia. É preciso lembrar que campanha também é.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Conjuntura - a semana entre estabilização e recuperação ... e o papel deletério de sempre da imprensa

    Esta semana a louca cavalgada dos institutos de pesquisa trouxe um quadro pouco modificado, com pouca diferenciação mas indicando pequenas mudanças importantes.  No segundo turno Dilma e Marina empatam na margem, Aécio estancou a queda paralisado em 15% e, a julgar particularmente pelo IBOPE e o VOX, Dilma recuperou algo do terreno perdido e Marina estabilizou. Passada a dramatização relativa à trágica morte de Eduardo Campos, as idas e vindas e um confuso programa de governo e as metralhadoras midiáticas de Dilma (e Aécio) contra,  a candidata " socialista" parece ter encontrado um ponto onde não é ameaçada pelo PSDB mas também não distancia-se de Dilma. Os demais tornaram-se coadjuvantes sem expressão, pelo menos neste momento. 
    Ao início, tudo parecia caminhar para um plácido segundo turno que, ao meu juízo, terminaria com a vitória de Dilma contra o candidato Aécio. Mas tudo mudou: Marina quase certamente garantiu sua presença no segundo turno e a canalização anti-PT vai desaguar em seus braços. Daí não se segue que Marina vencerá, porque o jogo continua e, se Dilma recuperar mais pontos em duas semanas, ela entrará mais forte para a disputa do segundo round. 
    E o eleitor? Como ele reage às bombas midiáticas - e, para variar, dramaticamente falsificadas no semanário da família Civita? Com a placidez habitual de quem se acostumou a ataques diários, repetitivos e sem provas e algo que a revista precisa entender: ela fala para seus leitores raivosos e para a repercussão na mídia televisiva, o que não é garantia de credibilidade. Assim, não é ali que Dilma encontrará seu Rubicão. Por outro lado, a campanha de Dilma passou a bombardear Marina sobre a questão do Pré-Sal e sobre dar poder aos bancos, obtendo êxito em explicar em linguagem direta sua posição e colocando a candidata da Rede/PSB na defensiva. O resto é o resto: campanha pouco interessante, esquentando em alguns estados para governador mas ainda carecendo de situações significativas de mobilização. Militância remunerada no PSDB, falta completa de material de Marina Silva, parco material de Dilma. Isso significa que os recursos deverão ser desovados a partir de semana que vem, em uma ofensiva de curto prazo. Neste domingo, restarão três semanas para o pleito.
  Alguém poderia ganhar no primeiro turno? Não, muito improvável. Marina teria que ter permanecido crescendo e Dilma perdendo abaixo de 30%. Isso simplesmente não é compatível com os resultados do PT. Para Dilma, seria Aécio permanecer estacionado, Marina perder terreno e Dilma crescer sobre ela. Qualquer desses cenários é improvável. 
    Talvez Marina tenha se iludido sobre sua mensagem vazia relativa a uma "nova politica", pois a realidade a desmente todos os minutos. Não parece ter despertado corações e mentes dos bancos e grandes empresários com sua mensagem de austeridade. Por falar nisso, como ela acredita ser possível conciliar seu discurso "social" com "austeridade"? Melhor deixar para lá, ou o programa de governo muda de novo.
    O candidato do PSDB pareceu um tanto perdido esta semana. Começou repercutindo a revista dos Civita como "mensalão 2". O texto parecia já pré-escrito para ele. Como parece ser um tiro no ar, pode ter perdido uma semana de campanha. Estacionado e com freio de mão puxado. 
    Tudo segue indefinido, ainda que em um cenário Dilma x Marina. 
    Existem "analistas" considerando o seguinte: Marina vai vencer. Por que? Basta olhar o eleitor de Aécio (o anti-PT típico) que estará junto a Marina. Ok, desde que Dilma não cresça antes do fim do primeiro turno para algo maior que 40%. E há outras variáveis: por exemplo: parcelas do empresariado estão prontas para o governo Marina sem saber corretamente o que será? Há firmeza no eleitor de oposição tão grande assim? Recomenda-se calma aos apressados.
   Uma nota sobre a bolsa e o terrorismo econômico e político. Bastou Marina estabilizar e Dilma voltar a se recuperar minimamente para o cenário "catastrófico" retornar. A Capa de economia do UOL/Folha e a capa principal às 20:50 estão abaixo. É ou não e fantástico? É ou não é um jornalismo responsável? Pois é, Dilma. Não enfrentou como deveria ter enfrentado, aceitou sempre os termos deles. Agora precisa enfrentá-los. De novo!
    Seguem as belas manchetes - reparem os termos: um "tomba", outro "salta" e Dilma, que cresceu no geral, para o datafolha "recua" no reduto "lulo-petista". Tem hora que bate um cansaço ... .

 Petrobras tomba 5% no dia, e Bolsa tem perdas de mais de 6% na semana  
Dólar salta mais de 4% na semana e vai a R$ 2,335, maior valor desde março

sábado, 6 de setembro de 2014

Sobre temas da conjuntura, o que nunca é debatido e o genérico eleitoral - o debate público esvaziado

Eleições são curiosas. Como em um vendaval, cidadãos especializam-se em compreender algo que, em outra conjuntura, ignorariam. E porque há temas que nunca vem à baila? E finalmente, existe o genérico que é apenas discurso.
            Comecemos com os temas específicos que surgem na conjuntura. Cito dois casos:
1 – a independência do Banco Central. O Banco Central é uma agência fundamental para a gestão monetária,  o controle bancário e como sinalizador econômico. É independente em alguns lugares, os três casos mais consagrados são o Banco Central Europeu (BCE), o Bundsbank, o Federal Reserve (FED) ; há casos também em países como o México. Primeiro alerta: os modelos de independência não são idênticos, variam de um insulamento brutal (BCE) a abertura ao debate (FED). Parece uma boa ideia? É algo essencial para a economia? Crédulos de toda parte defendem que sim, intelectuais amigos de Marina também. Para que serviria isso? Normalmente é o seguinte: indica-se um presidente para a instituição, ele e seu conselho ganham autonomia, se insulam e passam a tocar a política monetária, com reflexos sobre a politica fiscal e de emprego, por exemplo. No caso do BCE, sugiro a leitura de seu estatuto, sua missão é “controlar a inflação” – se isto afeta a atividade econômica é questão para os países-membros da UE. Assim produz-se uma situação esquizofrênica onde a inflação é a chave e os países, limitados pelo próprio BCE, pouco podem fazer. Adeus estímulos, políticas ativas sobre demanda agregada e incentivos seletivos ao emprego ou às políticas. Em nome da austeridade, tudo se resolve em um prédio, em uma sala escura e suas projeções de powerpoint e informações de mercado. Controle externo? Como? Aliás, é preciso perguntar a cada candidato o que pensa disso: qual modelo de autonomia? Ou isso é um discurso para ser resolvido depois? É didático conhecer a relação do BCE com as taxas de juros e suas receitas austeras; perguntem aos espanhóis, portugueses, franceses ou italianos como vêem o euro – e seu guardião – hoje. Não escondo minha posição: meu caminho é a centro-esquerda e não posso conceber qualquer cidadão com o mínimo de formação nesse campo defendendo tal ação que insula decisões e inibe accountability , consagra interesses de mercado e pode afetar, de forma negativa, as politicas públicas sociais e outras nos países emergentes 
2 – o debate sobre religião e Estado. Poderíamos começar com a laicidade, mas deixemos isso de lado. Esta deveria ser a primeira preocupação. Por que tantos atores do campo religioso estão no debate presidencial? Na década de 1980 atacava-se a teologia da libertação por mixar religião e política, hoje essa é a regra. Nunca vi tantos defendendo a família cristã. Peço que defendam a sua e deixem as dos demais cidadãos em paz. E a fixação nas relações homoafetivas? Por que, ao invés de debates qualificados, precisamos ser homenageados com esse Malafaia que parece surgir em toda eleição, o lamentável deputado Feliciano e o “privatista” de ocasião chamado Everaldo? E ainda a confusa discussão sobre impostos e igrejas. Em uma frase: que todos paguem e acabemos com isso. Mais simples, mais efetivo e mais justo para com a sociedade. Outro tema: Aborto e religião. Ao invés do debate sobre as condições para a saúde das mães e crianças, ou para o direito de decisão, ou até para defender a regulação sobre o tema perde-se tempo com falsos dilemas éticos e a “santidade” da vida.  Não deve haver temas-tabu na república, todos devem ser debatidos sem a hegemonia de pastores, padres ou moralistas de período eleitoral. Candidatos deveriam ser, antes que evangélicos ou católicos, cidadãos debatendo temas de interesse nacional. Marina Silva, por exemplo, não ajuda nada neste debate.
            Da mesma forma que temas polêmicos produzem "especialistas", há outro que não ganha corpo: a mídia. Por que os veículos de comunicação seguem intocáveis em sua concentração de poder econômico? O que fazer se uma reputação honesta for assassinada (e elas são, em grande velocidade) por semana sem direito de resposta imediata? Por que publicar grampo sem áudio e ilações sem fontes são ações aceitas? E, enfim, porque a versão ultrapassa os fatos e, quando revelam-se despropositadas, nada é divulgado como erro? A grande imprensa no Brasil nunca erra e se dá ao direito de impor suas pautas. Cabe à democracia estabelecer o campo para sua ação. E Isso nada tem a ver com liberdade de expressão mas com as regras do jogo. Tirania? Bolivarismo? Comunismo disfarçado? Somente idiotas da objetividade, como escreveu Nelson Rodrigues, podem dizer isso. Perguntem ao Reino Unido, essa ditadura tão cruel... . Perguntemos: algum candidato vai debater isso? Dilma teve a Presidência e não o fez. Marina e Aécio??? Somente com uma sonora gargalhada, pois beneficiam-se o tempo todo das ilações, versões e imposições da grande mídia. Sobrará para um ou outro em menos de um mês, mas eles continuarão sendo parte do mesmo jogo.
            E há os temas que desaparecem nos detalhes e se tornam genéricos sem sentido: energia, emprego, politica industrial, ensino técnico, ensino superior, analfabetismo entre os mais idosos, politica externa, BRIC’s, segurança (tratada aos berros, em geral, por oportunistas), políticas públicas inclusivas, política social para além da focalização, mecanismos de participação, impostos. Sabemos realmente o que os honoráveis candidatos pensam desses e de outros temas? De Dilma um pouco, afinal ela governa. Os outros dois principais adversários dela? Quase nada. De Marina, então, coisa alguma, com idas e vindas. Dos demais, Luciana Genro se esforça, mas os outros... .  Minto, me perdoem: Everaldo quer privatizar tudo, esse é claro e direto, mesmo que seja de um ridículo atroz. Alguns dirão que o “povo” (a categoria sociológica – se é que pode ser assim chamada – mais permeável que se conhece) não compreende grandes temas, então vamos falando de coisas que “eles” entendem. Mas, ainda que existam pessoas que “não entendam”, não seria o caso de explicitar assim mesmo? O fato de votarem desinformados é apenas um detalhe, para aqueles que sempre apostam na incapacidade das pessoas; quando o fazem talvez tenham receio de sua própria incompetência. Como a imprensa faz o desserviço de não debater nada em profundidade (e que não seja para atacar o atual governo) e os apoiadores de cada um também não, ficamos onde sempre estivemos, aguardando um veredito controlado por gaps de informação.

Isso tudo importa? Talvez apenas para mim, talvez para muitos. Eu apenas não gosto de observar milhões de pessoas indo às urnas baseado em genéricos, impressões passadas pela mídia e superficialidades. É da democracia, e suas regras, que a maioria de votos legaliza e legitima o mandato; é da vida ganhar ou perder.  É também da política buscar superar o genérico, as impressões passadas pela mídia e as superficialidades.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sobre pesquisas - para refletir sobre seu alcance.

A cada eleição o tema das pesquisas eleitorais retorna, seja como verdade absoluta, seja por dúvidas quanto a sua veracidade. Certa vez respondi a um incauto sem formação científica, que me havia dito que “não acreditava” em pesquisas eleitorais mesmo contratando-as, que levantamentos desta natureza não devem ser objeto de cunho religioso ou de credulidade, mas estavam baseadas em instrumentos de mensuração consagrados. O incauto deve ter ficado um pouco ofendido, o que realmente não  me importava, principalmente porque complementei que, quando o resultado lhe havia sido favorável, não me recordava das reclamações. A maioria do público tem uma certa esquizofrenia com pesquisas quase que pelos mesmos motivos – se o resultado agrada, verdade; se desagrada, combate-se.
Mas, dito isso, daqui não se segue que pesquisas não possam ser amplamente discutidas, seja por sua metodologia, seja pelos seus limites. A pergunta sobre como 2500 pessoas podem mensurar todo o país somente pode ser feita pela ausência de formação científica ou incompreensão sobre as técnicas, nunca por quem alguma vez foi informado sobre teoria da amostragem, lei dos grandes números e assemelhados. Isso até pode ser questionado pelo senso comum, nunca por aqueles que acolhem a formação científica. As metodologias e técnicas nas pesquisas variam em modalidades e tipos de amostragem, técnicas de questionário, margens de erro e níveis de confiabilidade, mas também variam de acordo com outros aspectos: treinamento de equipe de campo, controle de campo e entrevistas de devolução e, não menos importante, quais e como são realizadas as questões ao eleitor.
Ao contrário de boa parte dos economistas e de parte dos estatísticos, não é o caso de converter esse saber científico em erudição inalcançável e modelo de verdade, pois não se trata nem de um ou outro. Trata-se da boa e velha ciência aplicada em ação. E trata-se do uso da pesquisa como instrumento de campanha e marketing. De início quero dizer que defendo a mais ampla e irrestrita divulgação de pesquisas e considero um desserviço as regras de “registro” de pesquisas em tribunais. Supostamente, como na maioria dos casos nas eleições brasileiras, a disputa é enorme sobre regras e a judicialização eleitoral é uma norma. Tudo termina nos iluminados tribunais que decidem como a as disputas se desenvolvem. E, que ninguém diga que essas decisões não afetam campanhas. Mas, por exemplo, pouco se fala sobre como as pesquisas são realizadas ou divulgadas. Pergunto, e é legítimo perguntar: o Datafolha fez uma pesquisa quase simultânea ao velório de Eduardo Campos. Pode? Pode pelas regras, pois estava registrado o campo. Era desejável esperar um pouco? Era! O IBOPE foi mais cuidadoso – em relação ao Datafolha a maioria é sempre mais cuidadosa – e outros institutos também aguardaram um pouco, caso da pesquisa MDA-CNT.
Os profissionais da área de pesquisa sabem que pairam sobre dúvidas sobre seu trabalho. Algumas de boa fé, por falta de cultura científica. Outras porque as pessoas desconfiam “porque nunca foram e nem conhecem ninguém” que tenha sido entrevistado, o que trata-se de uma variação do primeiro argumento. Há também aqueles que crêem que as pesquisas implicam em manipulação, o que pode incluir alguma cultura científica ou não. Mas, entre os políticos é quase unânime que pesquisa eleitoral é instrumento de campanha, deve ser divulgada se interessar e escondida se ruim. Devem ser selecionados trechos favoráveis e divulgados, devem ser ocultos os tópicos com problemas . Quem define isso, em campanhas minúsculas, é o próprio candidato; quem define isso em campanha majoritárias é o responsável pelo marketing eleitoral. Ainda que ali falte cultura científica quase como regra, não falta astúcia para reconhecer que pesquisas recortam o real com eficácia. Em suma: elas funcionam, essas senhoras e senhores sabem muito bem disso e o momento de divulgação - e como divulgar -  é um ponto nevrálgico nas estratégias de campanha.
As campanhas que contratam, ou os órgãos de imprensa interessados, divulgam o real? Algumas vezes sim. Seja pela credibilidade do instituto seja porque, quanto mais perto da eleição, há um marcador que não mente: o resultado. Mas é sempre assim? Quem pode dizer? Há falácias sobre margem de erro, perguntas dirigidas que podem afetar resultado e sobrevalorização de algumas respostas Eu creio fielmente que os institutos entregam resultados metodologicamente aceitáveis, e creio fielmente que os meios de divulgação enfatizam coisas ao seu interesse e sem compromisso com a informação precisa.
Seguem algumas observações como kit anti-manipulação:
1 – pesquisas não representam a eleição, são retratos instantâneos;
2 – nunca acredite em uma pesquisa como um resultado definitivo – observe sempre a curva de resultados no tempo. Séries são mais confiáveis, casos isolados podem ser só isso mesmo;
3 – observem margens de erro como possibilidades, mas nunca confie em narrações de telejornais sobre pesquisa, na conversa de para mais ou menos que pode indicar empate. É a série, e não UMA pesquisa que indica a tendência;
4 – atenção para a rejeição: vale o mesmo argumento da série. E nao creia que alguém com 40% de rejeição está fadado a perder. Tudo depende do contexto;
5 – por que eles não indicam claramente a espontânea? Ela significa consolidação maior ou menor. A estimulada, que a mídia divulga sem perdão, é resultado de um círculo onde constam os nomes dos candidatos. Ela, muitas vezes, é um cenário artificial. Quanto mais próximo das eleições, mais essas curvas se aproximam.
6 – observe a data em que foi realizado o campo. Uma forma usual de manipulação é um acontecimento intenso influenciar temporariamente índices de voto, ou campanhas intensas de mídia para alterar percentuais com notícias negativas, por exemplo.
7 - Observe muito de perto se é divulgada a volatilidade de  voto, a possibilidade para mudar da opção atual para outra. A imprensa sonega frequentemente essa informação.

Resumindo, não é a pesquisa ou a técnica que produzem problemas. Quem os produz é aquele que utiliza-se das pesquisas mostrando ou ocultando resultados, ou a mídia que enfatiza o que bem quer.


PS: Duas pesquisas recentes mostram estabilidade entre Dilma e Marina, com Aécio ainda caindo. Vida que segue. Dilma permanece forte, Marina ainda cresce, mas o acelerador pode ter emperrado e Aécio com pouca reação. Na espontânea, a vantagem de Dilma é grande, com rejeição perto de 35%. Mas Marina permanece no páreo, cada vez mais. Faltam, por outro lado, 30 dias.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O burlesco e o farsesco país, segundo os conservadores

Quem deseja conhecer o estado da arte do ambiente político deveria observar os portais de internet. Não as "reportagens" ou as informações, mas os comentários dos senhores frequentadores, que fazem questão de demonstrar sua inefável inteligência. Para verificar é fácil: pode ser pelo UOL, Terra, 247, GGN ou pelos sites dos jornais e revistas tão, mas tão oprimidos pela ameaça à sua livre expressão, que escrevem ou falam o que bem entendem - claro, a Veja,  o Estado, A Folha, o Globo, Zero Hora, Correio Brasiliense, a Globonews e a Bandnews. Esqueçam o conteúdo dos sites - é ruim mesmo, para não fazer outra observação - e passem, por favor, aos comentários. Mas antes sugiro um remédio contra enjôo ou mal-estar. Obscurantismo beirando o comportamento limítrofe, um ódio quase inexplicável que obscurece um gigantesco medo: se continuar essa gente no poder, que faremos? Ali o mundo enlouqueceu, não sobra nada
Senão vejamos: pessoas desejam a morte de Lula ou Dilma com câncer, todo mundo no governo é corrupto, os "petralhas"acabam com o país, a inflação "destrói" a nação, o mercosul é um atraso,  os comunistas (todos que são diferentes) nos ameaçam e há uma ditadura gay no livre pensar.  Os aeroportos e estradas precisaremos dividir; os shoppings terão mais "gente diferenciada", quem sabe até ciclovias e metrôs possam ser ampliados passando perto de nossas casas. Quem será minha empregada? Onde já se viu tanto absurdo? E a inflação? Que vai ocorrer com o preço do carpaccio de salmão? Daqui a pouco encontraremos essas pessoas em Paris ... felizmente em Miami elas vão pouco, mas se começarem podemos dizer ao FBI que são resultado de infiltração cubana. Pois esse governo bolivariano, castrista, apoia um porto em Cuba ... que absurdo. Dizem que será importante, mas não acredito, é tudo coisa desses comunistas mesclados com empreiteiros que beneficiam-se de corrupção. E trazem médicos estrangeiros para cá? Por que? Desempregam nossos jovens médicos para apoiar cubanos indigentes, não tem é estrutura na saúde. Precisam por um hospital em cada lugar,  com tomografia e ar condicionado, aí nossos médicos irão até os pobres. Se as pessoas precisam de médicos devem esperar que nossos impostos cheguem lá. Aliás, impostos absurdos! Por isso sonegamos. Sonegamos mesmo, porque esse governo joga tudo fora e eu não vejo resultados. O SUS é um desperdício, nas universidades federais só tem ricos  Meu filho foi para o Ciência sem Fronteiras mas esse governo joga dinheiro fora o tempo todo; meu filho foi lá dignificar o país, quem o desonra é esse governo. E queremos menos impostos, mas também queremos mais saúde, habitação, educação, saneamento, luz, água, estradas ... . Nossa carga tributária é uma das mais altas do mundo, e nem vem dizer que no norte da Europa é maior (aliás, onde é mesmo a Europa?) e eu não pago imposto porque não sustento vagabundo. Tem bolsa para tudo ... essa gente não trabalha. Dizem que as mães não estão tendo mais filhos, quem essa gente de bolsa trabalha, que elas até devolvem o cartão, mas é  mentira, tudo mentira desses petralhas nojentos. Essa esmola vai acabar com o país. Dizem que existe pré-sal, mas eu li na Veja e no Globo que não sai petróleo. E não adianta o governo dizer que sai, porque eu não li isso, não vi e e eles estão mentindo. Imagina o Brasil sendo um grande produtor de petróleo, ilha da fantasia. A desigualdade diminuiu? Como? Eu conheço a realidade, até dou uma esmola de vez em quando, doei para o criança esperança e tenho um cartão ecológico do itaú. E se diminuiu foi às minhas custas. E ficam falando que a Globo e os jornais os perseguem: com esse lixo de oposição só sobrou mesmo a imprensa para denunciar esses comunistas. Essa gente mais pobrezinha anda até de carro. Tudo financiado, pobres perdulários. Nem pagam a comida e compram um carro. E o governo incentiva isso: poluindo ainda mais o ar. Que irresponsáveis. Antes só nós tínhamos carro e esse SUV lindo que comprei, em 12 prestações apenas, veja bem, tinha espaço. Agora é uma infestação de carros. Ficam comprando apartamento e tem esse programa minha casa, minha vida que não vale nada. É eleitoreiro como essa bolsa-família. E o PIB? Viu  o PIB? Ninguém confia e o país parou. E o desemprego não é nada do que o IBGE divulga, o IBGE não é do governo?  E, em nome de Jesus, vamos nos livrar logo dessa gente.
Se você acha que existe algo de verdade em mais de 5% (e isso é uma margem muito generosa) do que está escrito acima, parabéns. Ganhou uma assinatura vitalícia da veja e um lugar de entrevistado na globonews. Não precisa ler mais nada que humildemente compartilho, por favor. Também sou daqueles ingênuos que não vê o mundo assim. Não vivo no paraíso, não acho o lugar uma maravilha, não sou crédulo. Apenas exercito a vontade de ver algo mais que o deserto do real, como se nada houvesse além. E prefiro que a rota seja de esperança, não gostaria de ser dirigido por uma candidata que quase parece falar com a  divindade (e crê em uma roleta bíblica que a inspira)ou por alguém que prefere a máquina do tempo para os 90.