domingo, 8 de fevereiro de 2015

Sobre fatos da conjuntura e a composição de um cenário para análise

O atual momento da vida política nacional exige cuidados. Ao contrário de todas as eleições presidenciais da redemocratização, esta tem sido a única na qual a oposição não aceita a derrota, como deveria ser pelas regras do jogo, e mantém uma interminável agenda de protestos, reclamações e pressões. Na semana da derrota, esta oposição mais o PMDB derrotaram o governo no Congresso sobre a agenda da participação social; toda a algaravia em torno da meta fiscal; tentativas contra as urnas eleitorais, levantando suspeição; a grande ocupação de uma dúzia de pessoas das galerias do Congresso patrocinadas pela direita retrógrada sob os auspícios do PSDB; as pressões pela realização de práticas econômicas derrotadas nas urnas; o tema do impedimento da Presidente que surge a cada segundo nos jornais e entre políticos. No Supremo Tribunal, o impoluto ministro Mendes (que parece ser sorteado para todos os processos referentes ao PT), continua sua escalada midiática oferecendo lições a quem desejar escutá-lo, sempre com críticas dirigidas ao PT.  Felizmente os demais Ministros parecem enfim entender uma regra básica, mesmo Marco Aurélio Mello: é preciso falar dentro dos processos, não para atender imediatos interesses da mídia ou da oposição. Nas ruas, quase nada, exceto os indignados da direita divididos entre os que defendem a intervenção militar e os que querem o impedimento da Presidente, todos os dois mil “cidadãos de bem” na avenida Paulista. Na mídia, o jornal o Globo vem revivendo seus melhores momentos em defesa da ruptura institucional. A diferença em relação ao passado? Sem pregar o retorno dos militares, defende o “golpe constitucional”, modelo consagrado no luminar democrático que é o Paraguai. Os demais veículos continuam insinuando a corrupção como o anátema nacional, ignorando todo o resto.
O mercado, por sua vez, vem pautando a agenda econômica do próprio governo. A Presidente eleita parece ter comprado o prato sem ler o cardápio. Explica-se: parece que ela escolheu a única opção que viu – a do mercado. Veio Joaquim Levy, o mercado suspirou feliz. Bastou Tombini não acenar com o aumento do fluxo de dólares de swapp cambial, no mesmo dia, e lá se foi o mercado bufando de raiva. O cenário internacional desfavorável entre novembro – as más notícias da China, da Europa, da queda no preço do barril de petróleo e até do afrouxar monetário do FED, aliados aos poucos negócios – produziu uma escalada do dólar e perdas na Bolsa. E a Petrobrás continua ladeira abaixo – para o mercado. O mercado gostou de Levy? Por que não desejaria mais?
Em uma combinação de estratégia de sangramento e deslegitimação da Presidente, a oposição vem patrocinado o crime de agravar a situação da Petrobrás. Nada que seja feito por dentro será suficiente. O cálculo político é associar a empresa ao PT e a Presidente, esquecendo todo o passado. Isto está a produzir reflexos no mercado. O caso em pauta na Justiça Federal é uma peneira: a imprensa acompanha tudo em tempo real, os acusados não tem acesso ao processo. O quadro de instabilidade econômica se agrava sem que os agentes tenham a dimensão real do problema. A não divulgação do balanço, pela recusa da auditoria externa em assiná-lo sem conhecer as reais dimensões da sangria (promovida pelo bando que assalta a companhia desde o governo Sarney), não ajuda em nada o cenário. A combinação de um cenário externo ruim com as dúvidas internas sobre a operação lava-jato estão sangrando a maior empresa nacional.
Aqui voltamos sempre ao tema – grifemos: a corrupção é e continua a ser intolerável, todos os desvios devem ser punidos e a quadrilha encarcerada. A participação de agentes privados e a corrupção patrocinada pelo setor privado encontra parte da burocracia das empresas com disposição para a rapinagem; burocracia de nomeação externa como parte dos acordos da “coalizão” de momento, ainda que alguns permaneçam pulando de cargo em cargo sem nada entender de petróleo. Esses agentes públicos não são partidários, a não ser deles mesmos. Eles se movimentam como intermediários para acumular recursos e operar em financiamento de campanhas com a conivência do setor privado. O esquema de financiamento de campanhas por este segmento é uma fonte reconhecida de corrupção. Portanto, quem quer realmente acabar com isso? O impoluto ministro Mendes tranca, com um pedido de vistas, uma ação proibindo o uso de recursos de empresas em campanhas eleitorais. Por que ele não devolve o processo e permite aos seus colegas decidir a ação? Ou então porque os agentes políticos não discutem a sério a reforma política definindo recursos aos partidos oriundos do orçamento e, ao mesmo tempo, limitados? Não custa tão caro assim, desde que o formato das campanhas obedeça aos critérios de informar o eleitor sobre suas opções. As empresas irão continuar tentando ofertar recursos na forma de caixa 2? Caixa 2 torna-se crime, assim como qualquer sonegação deveria ser punida com perda de patrimônio em processos sumários. O mesmo deveria valer para crimes como a formação de quadrilha. Não dará certo? Mas, não seria interessante experimentar?
Estamos diante de um cenário onde o desejo de mudar é latente, eventualmente manifesto, mas o sistema político, o legislativo e o judiciário produzem travas poderosas. Alguns exemplos poderosos de travas políticas: parlamentares votam seu próprio salário, são beneficiários de doações privadas, desejam permanecer indicando diretores de estatais, operam interesses de grupos (e pouco dos partidos). De travas jurídicas: pedidos de vista sem prazo definido, Primeira Instância federal como fonte de vazamento seletivos de informações sobre processos; encantamento com a mídia de juízes e promotores; processos morosos e até sobrecarga de trabalho. Mas, mudar de verdade significaria mudar as travas do mercado, da economia conforme o mercado entende economia: uma consecução de decisões privadas constituindo um mercado auto-regulável, sendo o Estado o garantidor da ordem e dos contratos. Somente isso? Nos sonhos dos economistas de mercado, sim.
O que seria mudar de verdade nesse campo? Muito, mas podemos apresentar o debate em termos de duas, apenas como exemplos: primeiro, seria preciso descolonizar a política da agenda econômica, que a política assumisse o protagonismo da mudança. Segundo, pensar medidas concretas na seara tributária: imposto sobre grandes fortunas, mudanças nas alíquotas de imposto de renda para mais alíquotas e tributação progressiva; impostos sobre herança, tornar a sonegação fiscal passível de  punições realmente severas; reduzir a tributação sobre consumo e enfrentar a questão do imposto sobre valor agregado. Vamos discutir isso? O constituinte definiu uma série de obrigações ao Estado, de saúde e educação universais aos direitos sociais. Não seria hora deste debate? Não para a agenda política, nunca para a econômica. A coalizão de governo a surgir não dará conta de enfrentar esta agenda necessária. A estratégia da oposição é prender o governo na agenda comezinha da “corrupção” (da qual ela, candidamente, diz nunca ter participado) e da “crise”. Enquanto isso, nada muda, o que atende aos interesses imediatos do mercado e da oposição, que não desejam, na verdade, mudar nada, preferem o jogo jogado.
Estes são alguns fatos e este é o cenário.  A relação mercado/Estado, o jogo governo e oposição, os três poderes, a movimentação da sociedade e as relações internacionais (políticas e econômicas – sim, elas também) precisam se reunidos em um todo mais compreensivo, para ultrapassar a superfície da conjuntura. Mas isso precisará ser deixado para outra (ou outras) postagem (ns).

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