quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Fazer o que? Sobre o fundamentalismo de mercado e projetos abertos do centro à esquerda

     O processo eleitoral no Brasil teve seu finados no dia 26 de outubro. A vitória de Dilma Roussef, uma força oriunda de u paralelogramo onde se encontraram programs sociais vitoriosos, resultados econômicos e sociais efetivos, a emergência de cidadãos e cidadãs renovados e, porque não, a uma agenda de centro-esquerda que triunfou. A derrota das forças conservadoras, cuja principal bandeira estava fixa na defesa de  ideias econômicos dos anos 1990 e uma pauta lacerdista dos anos 1950, produziu uma situação onde a direita acredita ter "vencido" perdendo e a esquerda ter "perdido"vencendo. Descontando a mera retórica vazia e as palavras agradáveis aos seus, trata-se de um exercício para um público-alvo bem definido: a massa de eleitores que teriam apoiado a pauta do "mar de lama" e de um neoliberalismo ressurreto. Uma parte dessa massa, facilmente visível como branca, urbana, oriunda das camadas médias superiores, muitos com curso superior, ao lado da fina flor do neoconservadorismo de Bolsonaros ou da direita religiosa, passou a contaminar as ruas e as redes com seu veneno golpista. Aqui está um monstro que despertou, mesmo sem força para disseminar suas sandices ao ponto da ruptura institucional, se maior fosse não hesitaria em apoiar soluções autoritárias.
     O partido que perdeu as eleições, e seu candidato que insiste em manter seu palanque armado, levou no mínimo uma semana para reagir à nau dos insensatos. Antes promoveu a mais ridícula das iniciativas: pedido de auditoria sobre as eleições, mesmo dizendo que não "desconfiava"de nada. A imprensa, sempre ela, não produziu nenhuma condenação firme. Ao lado disso, carros com adesivo de Dilma foram atacados, com registros no Rio, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. Ataques ao nordeste espalharam-se pela TV paga, a internet e em cartazes ofensivos. A semana entre o dia 27/10 e 2/11 foi pródiga em racismo, preconceito, proto-fascismo e assemelhados. Pode ter sido produto do clima de guerra instalado, pode ter sido resultado da disputa, mas foi um resultado muito desagradável. Em parte foi para "azedar" a vitória, mas em parte foi alimentada para uma declaração de guerra permanente. Na mesma semana, o Congresso, presidido por um peemedebista derrotado, mesquinhamente colocou em votação projeto contrário ao Planalto. Um dos piores elementos que povoam o PMDB deseja ser presidente da Câmara. Em seu retorno à Casa, o limítrofe senador carioca-mineiro e seu palanque garante oposiçao sem tréguas. Desejaria muito ver como esse senhor, que pouco lá vai e que nada produz, reagirá quando tiver sua "liderança" roubada pelo PSDB de São Paulo. 
    Neste quadro nebuloso, plúmbeo (diria Jânio), Dilma iniciará seu novo mandato. As forças golpistas, patéticas e limitrofes, voltarão para o buraco de onde saíram até serem novamente convocadas pela nova direita. Nova e não tão nova. Escrevendo no Tweeter, Xico Graziano, quadro importante do PSDB, insurgiu-se contra o proto-fascismo, incentivado pelo PSDB e sua longa demora em condenar comportamentos assim, escrevendo que eles deixem o PSDB que é de estirpe social-democrata. Pausa para rir. Acredito na sinceridade de Graziano, mas onde se encontra a social-democracia de seu partido é um mistério insondável. Tradicionalmente, nunca foi de base operária ou sindical; quando pode abraçou a "novo centro" da terceira via ignorando as pautas de esquerda associadas às organizações sindicais, da sociedade civil e dos direitos de cidadania; encontrou uma justificativa para inserir-se passivamente na globalização e na financeirização e promoveu o desmonte do Estado como prática e uma política econômica cara ao tripé econômico (metas de inflação, câmbio flutuante, rigidez fiscal) como a única saída. Enfim, a social-democracia é um projeto da esquerda do pós-guerra, não uma agremiação para promover o neoliberalismo tupiniquim. O PSDB não é isso, poderia ter sido e nunca foi.
     O problema é que o PT também não melhorou muito sua pauta de esquerda. Em volta de um programa econômico mais conservador, foi necessária uma crise politica e uma crise econômica internacional para que se verificasse alguma mudança. Tal como antes, na eleição de 2010, agora foi o chamado àqueles que acreditam nesse programa de mudança que alteraram os rumos eleitorais. Lula e Dilma não foram eleitos para continuar a obra de Fernando Henrique, seria melhor, então, votar em Serra e Aécio. A mensagem talvez tenha sido entendida ... ou talvez não.
     Mas, porque o clima de apocalipse a direita? Por que o resultado não pode ser aceito por uma parte da sociedade? O envenenamento foi tão forte? Foi, e a direita é respons;avel pela maior desinformação da história recente, confundindo conceitos e preconceitos. senão vejamos:
1 - "bolivarianismo', Cuba e Venezuela. Malgrado toda a descortesia com países amigos, esta discussão é de uma estultice sem fim. É necessário ser mau-caráter, oligóide ou desinformado para comparar países dessa forma, com tal onda de informações incorretas, sem a menor compreensão das diferenças institucionais e desrespeito à história de cada um. Por isso má-fé ou incompetência cognitiva. Sinceramente, a Venezuela até confirmação de mandato tem; Cuba é um regome fechado cercado por um bloqueio econômico e nós somos a sociedade mais completa social e economicamente da América Latina. Sério mesmo que ministro do STF dá entrevista falando em corte bolivarianista? Entendo a preferência partidária do Ministro, mas está ficando um pouco descarado demais.
2 - Ameaça comunista. Como é? Recomendo uma conversa com "camaradas" do PCdoB, do PCB, do PCO, do PSTU. Vejam o nível de apoio, organização e recursos das siglas, como eles lideram a revolução eminente. E todos devem servir ao PT, o grande líder comunista A não ser que exista um comitê revolucionário leninista clandestino que recebe dinheiro de Cuba (mas como? Eles não tem nem para si) ou da Coreia do Norte. Pode ser também da terrível China, o distrito industrial do mundo - para o capitalismo - que pretende implantar aqui uma ditadura para vender seus produtos "comunistas" ao mundo livre (por falar em retórica da guerra fria).
3 - A ameaça de grupos sociais - como homossexuais, ateus, promotoras de ataques à família e defensores das drogas. Sério? Ameaça a quem? 
      Trata-se, na melhor das hipóteses, do fechamento do discurso, do universo da locução, do espaço dialógico. É o fechamento da esfera pública e da construção de outro projeto - alternativo - e associado. É possível se render ao discurso fácil do esgotamento dos partidos e organizações, das gramáticas da modernidade, da necessidade de outros foros. Mas, supondo-se que a pletora de discursos teóricos possa ter razão e outra coisa fosse construída, os projetos não se organizariam? Simples assim: na gramática analítica que leva em conta as políticas públicas, ideologia e orientações não existem projetos distintos? Existem, e a história recente na Europa, por exemplo, é esse o ponto. Todo  o sistema politico recente fecha-se em torno de alternativas de políticas para o mercado. A oposição está em luta constante na parte "de baixo"da sociedade, nos migrantes, nos "occupy", nas passeatas, mas também está no avanço da direita. O que ocorre no Brasil não é isolado, nem fecha-se em nossas fronteiras. A América Latina tem dilemas semelhantes. A Ásia enfrenta crises de maneira diferente. A desigualdade aumentou no centro do capitalismo; nós lutamos desesperadamente para reduzí-la. Nos EUA, a direita, como o "tea party", nem sequer deseja vencer eleições presidenciais: prefere interditar qualquer mudança em nível da sociedade civil.
     Aqui como lá há um conjunto de intelectuais, de uma estirpe especial, que insiste em revestir sua ideologia como ciência: os economistas de mercado, masters of the universe,  senhores das planilhas e herdeiros da verdade revelada. Só existe uma forma, um jeito e uma vida; o mundo é meritocrático; políticas sociais são socialismo disfarçado, a ciência matemática dos modelos econométricos é o evangelho do conhecimento; equilíbrio fiscal, inflação muito baixa, câmbio que flutue, capitais livres, mais mercado e nada de Estado são os versículos do credo. Sua visão de mundo é uma planilha e sua fé o mercado e seus resultados, medidos pelas bolsas, os lucros das transnacionais e a abertura da conta capital e das barreiras tarifárias. É isso, principalmente isso, que representa um dos projetos, que mesmo afastado de aplicação integral com a derrota de Aécio no Brasil insiste em emparedar a presidente eleita com seu fundamentalismo de falsa erudição.
     Então, a "nova política" exige outras instituições e organizações? Outra narrativa? Muito bem. Mas a narrativa dos mercados continuará lá, independente de outras narrativas políticas. A oposição a este fundamentalismo precisa continuar a construir seu campo. O compromisso da agenda neoliberal com a democracia é inexistente, como comprovam experiências asiáticas ou o Chile. Cegos por Hayek ou Mses, acham que mercado é a única garantia da democracia e, como em gerla ocorre, são ignorantes em hisatória. No Brasil, os corifeus da direita são os economistas de mercado, as lideranças lacerdistas e os desesperados conservadores que preferem que a desigualdade persista. Quando Thatcher, de infeliz memória, bradava que "there is not alternative" e era saudada pelo pregão da bolsa, o mote do partido conservador não era apenas neoliberalismo, era também conservadorismo de costumes. Quando Reagan fundou a "reagnomics", os EUA viveram uma "revolução conservadora", cujos traços persistem até hoje. 
     Não trata-se de uma dicotomia nós x eles nem uma oposição simples de projetos. Quem possui um projeto unitário é justamente esta nova direita. Do outro lado existem socialistas, social-democratas, ecologistas, conservadores não neoliberais. Pessoas que não estão organizadas, mas desconfiam do mercado e seus sujeitos históricos totais. A esquerda foi tratada como fundamentalista e, após a derrota do comunismo realmente existente foi para a defensiva, mesmo aquela que rejeitava a vida soviética. Pois bem: o fundamentalismo voltou, exatamente pelo mercado. As seitas econométricas e as regras de governança corporativa confiável, que arrastaram o mundo para uma crise sem fim desde 2008, continuam suas diatribes. O eleitorado vota contra elas, aqui e na Europa, e não adianta? Estamos condenados a jogar nas regras do adversário? Não há um projeto único do lado oposto ao mercado, quem te a certeza metafísica da história são os defensores da ideologia de planilha e de mercado. É hora de construir outra coalizão. é hora, por exemplo, de mais G20, de mais acordos sul-sul, de mais integração de vizinhança, de lidar com sustentabilidade em relação ao crescimento e emprego, de incentivar políticas que dinamizem a produção, que penetrem fundo em direção aos serviços sociais universais, que combata o rentismo puro e simples. Não há uma ideologia do centro à esquerda que monopolize esta agenda. O campo liberal definiu suas armas e seus generais, centrou força em seu fundamentalismo e se organiza. Isto aparece em seus inflamados discursos, disfarça-se de moralismo, alia-se aos reacionários. O preço é o mundo corporativo dirigindo os rumos da nação. Se as forças do centro a esquerda permanecerem conferindo a esta agenda a predominância, sem utilizar a força politica da democracia em seu favor, o que nos restará? Em quatro anos outra candidatura que se afastará das ruas? Pode ser, mas cada vez mais fraca e cada vez mais sem um programa. 
      Não trata-se de unir o campo, fundar um partido, unificar lutas. Trata-se de pensar como enfrentar o pior inimigo da liberdade, de uma vida social mais justa, para combater desigualdades e melhorar a vida das pessoas. O campo fundamentalista preocupa-se com o acionista. É hora de nos preocuparmos com o cidadão. 

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