sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sobre pesquisas - para refletir sobre seu alcance.

A cada eleição o tema das pesquisas eleitorais retorna, seja como verdade absoluta, seja por dúvidas quanto a sua veracidade. Certa vez respondi a um incauto sem formação científica, que me havia dito que “não acreditava” em pesquisas eleitorais mesmo contratando-as, que levantamentos desta natureza não devem ser objeto de cunho religioso ou de credulidade, mas estavam baseadas em instrumentos de mensuração consagrados. O incauto deve ter ficado um pouco ofendido, o que realmente não  me importava, principalmente porque complementei que, quando o resultado lhe havia sido favorável, não me recordava das reclamações. A maioria do público tem uma certa esquizofrenia com pesquisas quase que pelos mesmos motivos – se o resultado agrada, verdade; se desagrada, combate-se.
Mas, dito isso, daqui não se segue que pesquisas não possam ser amplamente discutidas, seja por sua metodologia, seja pelos seus limites. A pergunta sobre como 2500 pessoas podem mensurar todo o país somente pode ser feita pela ausência de formação científica ou incompreensão sobre as técnicas, nunca por quem alguma vez foi informado sobre teoria da amostragem, lei dos grandes números e assemelhados. Isso até pode ser questionado pelo senso comum, nunca por aqueles que acolhem a formação científica. As metodologias e técnicas nas pesquisas variam em modalidades e tipos de amostragem, técnicas de questionário, margens de erro e níveis de confiabilidade, mas também variam de acordo com outros aspectos: treinamento de equipe de campo, controle de campo e entrevistas de devolução e, não menos importante, quais e como são realizadas as questões ao eleitor.
Ao contrário de boa parte dos economistas e de parte dos estatísticos, não é o caso de converter esse saber científico em erudição inalcançável e modelo de verdade, pois não se trata nem de um ou outro. Trata-se da boa e velha ciência aplicada em ação. E trata-se do uso da pesquisa como instrumento de campanha e marketing. De início quero dizer que defendo a mais ampla e irrestrita divulgação de pesquisas e considero um desserviço as regras de “registro” de pesquisas em tribunais. Supostamente, como na maioria dos casos nas eleições brasileiras, a disputa é enorme sobre regras e a judicialização eleitoral é uma norma. Tudo termina nos iluminados tribunais que decidem como a as disputas se desenvolvem. E, que ninguém diga que essas decisões não afetam campanhas. Mas, por exemplo, pouco se fala sobre como as pesquisas são realizadas ou divulgadas. Pergunto, e é legítimo perguntar: o Datafolha fez uma pesquisa quase simultânea ao velório de Eduardo Campos. Pode? Pode pelas regras, pois estava registrado o campo. Era desejável esperar um pouco? Era! O IBOPE foi mais cuidadoso – em relação ao Datafolha a maioria é sempre mais cuidadosa – e outros institutos também aguardaram um pouco, caso da pesquisa MDA-CNT.
Os profissionais da área de pesquisa sabem que pairam sobre dúvidas sobre seu trabalho. Algumas de boa fé, por falta de cultura científica. Outras porque as pessoas desconfiam “porque nunca foram e nem conhecem ninguém” que tenha sido entrevistado, o que trata-se de uma variação do primeiro argumento. Há também aqueles que crêem que as pesquisas implicam em manipulação, o que pode incluir alguma cultura científica ou não. Mas, entre os políticos é quase unânime que pesquisa eleitoral é instrumento de campanha, deve ser divulgada se interessar e escondida se ruim. Devem ser selecionados trechos favoráveis e divulgados, devem ser ocultos os tópicos com problemas . Quem define isso, em campanhas minúsculas, é o próprio candidato; quem define isso em campanha majoritárias é o responsável pelo marketing eleitoral. Ainda que ali falte cultura científica quase como regra, não falta astúcia para reconhecer que pesquisas recortam o real com eficácia. Em suma: elas funcionam, essas senhoras e senhores sabem muito bem disso e o momento de divulgação - e como divulgar -  é um ponto nevrálgico nas estratégias de campanha.
As campanhas que contratam, ou os órgãos de imprensa interessados, divulgam o real? Algumas vezes sim. Seja pela credibilidade do instituto seja porque, quanto mais perto da eleição, há um marcador que não mente: o resultado. Mas é sempre assim? Quem pode dizer? Há falácias sobre margem de erro, perguntas dirigidas que podem afetar resultado e sobrevalorização de algumas respostas Eu creio fielmente que os institutos entregam resultados metodologicamente aceitáveis, e creio fielmente que os meios de divulgação enfatizam coisas ao seu interesse e sem compromisso com a informação precisa.
Seguem algumas observações como kit anti-manipulação:
1 – pesquisas não representam a eleição, são retratos instantâneos;
2 – nunca acredite em uma pesquisa como um resultado definitivo – observe sempre a curva de resultados no tempo. Séries são mais confiáveis, casos isolados podem ser só isso mesmo;
3 – observem margens de erro como possibilidades, mas nunca confie em narrações de telejornais sobre pesquisa, na conversa de para mais ou menos que pode indicar empate. É a série, e não UMA pesquisa que indica a tendência;
4 – atenção para a rejeição: vale o mesmo argumento da série. E nao creia que alguém com 40% de rejeição está fadado a perder. Tudo depende do contexto;
5 – por que eles não indicam claramente a espontânea? Ela significa consolidação maior ou menor. A estimulada, que a mídia divulga sem perdão, é resultado de um círculo onde constam os nomes dos candidatos. Ela, muitas vezes, é um cenário artificial. Quanto mais próximo das eleições, mais essas curvas se aproximam.
6 – observe a data em que foi realizado o campo. Uma forma usual de manipulação é um acontecimento intenso influenciar temporariamente índices de voto, ou campanhas intensas de mídia para alterar percentuais com notícias negativas, por exemplo.
7 - Observe muito de perto se é divulgada a volatilidade de  voto, a possibilidade para mudar da opção atual para outra. A imprensa sonega frequentemente essa informação.

Resumindo, não é a pesquisa ou a técnica que produzem problemas. Quem os produz é aquele que utiliza-se das pesquisas mostrando ou ocultando resultados, ou a mídia que enfatiza o que bem quer.


PS: Duas pesquisas recentes mostram estabilidade entre Dilma e Marina, com Aécio ainda caindo. Vida que segue. Dilma permanece forte, Marina ainda cresce, mas o acelerador pode ter emperrado e Aécio com pouca reação. Na espontânea, a vantagem de Dilma é grande, com rejeição perto de 35%. Mas Marina permanece no páreo, cada vez mais. Faltam, por outro lado, 30 dias.

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