terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eleições e gerações - sobre algumas raízes da disputa de 2014

     Já foi contabilizado o tempo de uma geração como em torno de 30 anos. Isso no passado, pois a própria velocidade do mundo capitalista contemporâneo, multiplicado por destruição criativa, obsolescência programada, mutações no trabalho e na família em escala acelerada e intercessões local/global encarregaram-se de comprimir o tempo. A política, pensando no Brasil, também tem uma parcela de contribuição nesse cenário.
    Tomemos apenas um exemplo temporal para um  - atenção - exercício:  40 anos atrás estávamos em 1974, para nós a década dos generais Médici e Geisel, do Brasil potência e da grande crise econômica que deixou cicatrizes até os anos 90. Mas, não percamos linhas com essa digressão, voltemos ao tempo. Quem nasceu em 74 teve pais nascidos na década de 50, a última da grande esperança brasileira de desenvolvimento com democracia, promessa que somente retornaria na década de 90 - e de forma parcial e frustrante. Os nascidos em 74 chegaram ao ano mirabilis de 1989, na eleição presidencial, aptos para acompanhar o que acontecia mas não para votar pois eles estavam chegando aos 15 anos. Vivenciaram, mesmo muito jovens, digamos desde os 12 anos, a hiperinflação e continuaram com ela durante o mais instável governo da redemocratização, o de Collor. Ao atingirem 18 anos encontraram o Plano Real e viveram a euforia dos tempos de menor inflação com âncora cambial e atravessaram a década de reformas estruturais e privatização, mesmo que as primeiras tenham sofrido oposição e resistência que limitaram suas ações. Aos 24 anos viram desmoronar a fantasia da quase paridade cambial e o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, que se assemelhou muito a uma lenta agonia de quatro anos, sem o místico sucesso do Real, cenário internacional problemático e sua filiação às reformas neoliberais que terminaram por arremessar o mundo em um mar de incertezas (as crises oriunda dedo México, da Rússia, da Coréia ou da Argentina o confirmam). Aquela geração - de 1974 - agora vivia a decepção de sonhos despedaçados em um país que certamente não era o dos sonhos vendidos pela década de 1990. Seus filhos, já nascidos em 1994, ano do Plano Real, ainda eram muito jovens quando Lula venceu as eleições em 2002, mas foram crianças que cresceram assistindo o país acelerando suas mudanças, chegando aos 16 anos ao fim de seu segundo mandato. E aptos a votar. Filhos de pais que foram do céu ao inferno com a crise de 1998/99, ajudaram a eleger Lula em 2002 e viram o país alterar sua rota em direção a outro projeto - mais inclusivo, mais "social", mais voltado ao mercado de consumo de massas e com resultados econômicos para apresentar - da inflação baixa, ao equilíbrio dívida/PIB, a elevada taxa de emprego formal, a inclusão de amplos setores ao segmento médio de consumo e movimentos para reduzir a desigualdade. Se a conjuntura fosse outra, não haveria Dilma.
    Quem nasceu na década de 60 observava o mundo em um curso maior porque viu quase adulta o fim dos governos militares e a campanha das diretas; adulta votou para presidente em 89 e vivenciou o auge e o fim da hiperinflação. Por isso, mas não somente por isso, conduziu o debate político ao patamar dual que, até esta eleição, opôs PT e PSDB. Isso não é um acidente: a regressão dos conservadores em termos de votos absolutos desde a queda de Collor - envergonhados no PFL (depois DEM) e seus satélites, em partes do sempre partido PMDB - não é coincidência. Recordemos que o PSDB não era essa potência udenista e conservadora até o primeiro governo de FHC. Havia nascido de outro DNA. A mutação foi de FHC para a frente, atingindo seu auge na campanha de Alckmim e Serra e mantendo-se célere nessa marcha até aqui. Seus satélites - como sempre, parte do PMDB, o DEM, o ex-quase-partido PPS - tornaram-se membros do condomínio por falta de competitividade e competência para outro projeto. O PMDB permanece com uma força fincada em dois mundos para usufruir do melhor (e também do pior) de ambos. Após a fracassada tentativa de Ulysses Guimarães em 89, o partido decidiu jogar sua história aos leões e adotar a prática de fiel da "governabilidade", nunca deixando de colocar os pés nos dois lados. 
    E o PT também mudou, passou ao pragmatismo da governabilidade e, sim, afastou-se da geração que o viu crescer, a que mencionei como nascida na década de 60. Aqueles que permaneceram à esquerda sempre desconfiaram da guinada liberal do PSDB nos 90 e permaneceram votando ou em torno do PT e suas alianças. À época dos anos de 1990 ficara longe do PMDB, onde talvez devesse ter permanecido se estivéssemos em outro mundo. A parcela algo centrista e mais conservadora aproximou-se do projeto do PSDB e seu condomínio surfando na economia aberta e dolarizada, sem contar que suas posições ideológicas afinavam-se ao mundo de privatização, desregulação e encantamento com o hemisfério norte, mais os EUA que a Europa. A mudança pragmática da campanha de Lula em 2002, trazendo parte do centrismo ao PT, mais a emergência de uma geração que se frustrara com o PSDB, foi a simbiose adequada para iniciar essa era PT de já 12 anos.
    E a nova geração? Bem, fiz menção ao fato do tempo haver sofrido compressão. Tomemos um jovem nascido em 94 - ano do Plano Real, jovem demais para ver sua queda de forma mais elaborada e que viu a vida de seus pais não exatamente rósea a partir de 1999. Ainda jovem demais viu Lula vencer, em 2002, aos 8 anos. Aos 12 viu sua primeira rodada terminar e assistiu a reeleição. Daí vivenciou, dos 12 aos 16, uma era de prosperidade. Foi ali que encontrou a candidata de Lula, com a promessa de continuar. Dilma venceu não apenas pela incorporação, mas também porque havia uma geração que ouvia e vivenciara outras perspectivas. Sua "voz", parodiando Hirschman, chegou ali e se sentia representada; a opção de "saída" não era viável para a maioria. Eleger Serra era, para parte relevante dessa geração, um risco maior. Mas essa geração - que cresceu em idade mais reflexiva apenas no período em que o PT permaneceu no poder - não tem suas demandas estacionadas.
    Claro que isso não significa que o PT era invencível ou recebia uma maioria acachapante. Não, mas como era rejeitado pelas elites econômicas, os setores médios tradicionais (muitos oriundos da geração de 74 e antes, que temiam o PT "original") acreditando ter seu "modo de vida" ameaçado por integrantes emergentes abaixo no espectro social e  uma parcela conservadora que sempre sobrevive no Brasil (conservadora em termos moral/religiosos e em parte do ponto de vista econômico), vem permitindo sempre a presença de outra candidatura polar no segundo turno. De seus meros 10% do eleitorado na criação, à média de 30% na partida, hoje, o PT conquistou uma geração, mas não vence com facilidade. Portanto, Não há surpresa na polarização em nenhuma eleição e as viúvas que choram a divisão hoje o fazem por mero drama, não por informação reflexiva.
    Então surgiram as jornadas de junho de 2013. Jovens nas ruas, alguns também na meia idade, cantando, difusos nas reivindicações, mas com um sentimento real de insatisfação. Qual geração ali está em 2013? Quem nasceu entre 1990 e 1997, na sua maioria. Trata-se da "juventude liberal", do clube "Von Mises", da Associação Cristã de Moços ou da "Marcha para Jesus" ou pela "Família"? Nada disso. Era simplesmente "queremos mais"; era somente demand overload, de alguma forma o copo estava transbordando por mais mudança. Podem ser feitos esforços para o  apelo a um movimento mais universal por outro política, essa interpretação messiânica de um processo sem atores, um movimento hegeliano e totalizante. Creio que são virtualmente pouco explicativos à luz dos dados que temos hoje.
    Mais saúde, educação, moradia, transporte de qualidade ou ética nunca foram monopólio - antes pelo contrário - da direita ou dos liberais que tentaram desmontar nosso breve sistema de bem-estar social. A esquerda, ou a centro-esquerda, foi quem sempre operou nesse campo com desenvoltura. E aqui vem o drama: o PT, que foi caudatário de grandes mudanças, havia se desconectado dessa geração porque embrenhou-se no jogo da governabilidade sem dosar suas relações de capilaridade para a sociedade organizada e essa emergência de outros atores. Se a oposição  a Dilma não capturou esse público o governo atual também não conseguiu construir pontes. 
     Assim chegamos a 2014. A trágica morte de Eduardo Campos é um interregno que catapultou uma candidata - anti-política, afastada do jogo, candidamente surgindo como diferente - para o centro do palco. A parte descontente, parte relevante do eleitorado, começa a movimentar-se quase como o "efeito-manada" das bolsas de valores. Foi e, uma vez o debate exposto e as fragilidades vistas, vem se reacomodando. Marina cai e Aécio avança para compor o outro pólo. Pode não haver tempo para Aécio, mas nunca se deve subestimar os desesperados. Certo é que o cenário da polaridade aí está, mesmo com a sra. Silva. Se Dilma vencer no primeiro turno, e acho difícil (não impossível, mas difícil) por tudo que escrevi acima, renovará sua força, mas grande parte dos problemas ainda estarão lá e as pressões se intensificarão. Já que o PT, a cada eleição, precisa voltar-se para a centro-esquerda  - é ali que estão os seus - porque não faz um governo afinado com isso? Pouparia tempo e saberíamos com clareza o que defende. O argumento de que não é possível é porque ele se fia em uma aliança monstruosa em tamanho e características. Uma maioria sólida e menos caótica não é mais aceitável? Capilarizar na sociedade e pressionar de fora para dentro não seria um caminho? Perdeu-se muito tempo com alianças pela governabilidade. Necessárias são, mas tentando controlar dois terços de outro poder? 
    Chegamos à semana da eleição. Há um novo ator geracional decidindo o processo, para além  dos já maduros pais e sem conhecer outro pais que não aquele onde cresceu. Nã assistiu ao fim do período militar, não viu a hiperinflação, nem sonhou cm uma globalização sorridente, como nos anos 90. Sua hora chegou, aqueles que vibraram com as jornadas de junho e agora, diante das instituições da democracia e dos atores políticos, precisa se manifestar. Espero sinceramente que se reconheçam em um pais melhor e prefiram olhar para a frente com aqueles que ajudaram a construir esse ponto de partida. Chega do ranço dos anos neoliberais ou de um ecologismo bíblico com reformas de mercado. Querer mais é muito necessário: podemos começar com quem pode nos oferecer mais.

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