Eleições
são curiosas. Como em um vendaval, cidadãos especializam-se em compreender algo
que, em outra conjuntura, ignorariam. E porque há temas que nunca vem à baila?
E finalmente, existe o genérico que é apenas discurso.
Comecemos com os temas específicos que
surgem na conjuntura. Cito dois casos:
1 –
a independência do Banco Central. O Banco Central é uma agência fundamental
para a gestão monetária, o controle
bancário e como sinalizador econômico. É independente em alguns lugares, os três
casos mais consagrados são o Banco Central Europeu (BCE), o Bundsbank, o Federal Reserve (FED) ; há
casos também em países como o México. Primeiro alerta: os modelos de
independência não são idênticos, variam de um insulamento brutal (BCE) a abertura
ao debate (FED). Parece uma boa ideia? É algo essencial para a economia?
Crédulos de toda parte defendem que sim, intelectuais amigos de Marina também.
Para que serviria isso? Normalmente é o seguinte: indica-se um presidente para
a instituição, ele e seu conselho ganham autonomia, se insulam e passam a tocar
a política monetária, com reflexos sobre a politica fiscal e de emprego, por
exemplo. No caso do BCE, sugiro a leitura de seu estatuto, sua missão é
“controlar a inflação” – se isto afeta a atividade econômica é questão para os
países-membros da UE. Assim produz-se uma situação esquizofrênica onde a
inflação é a chave e os países, limitados pelo próprio BCE, pouco podem fazer. Adeus
estímulos, políticas ativas sobre demanda agregada e incentivos seletivos ao emprego
ou às políticas. Em nome da austeridade, tudo se resolve em um prédio, em uma
sala escura e suas projeções de powerpoint
e informações de mercado. Controle externo? Como? Aliás, é preciso perguntar a
cada candidato o que pensa disso: qual
modelo de autonomia? Ou isso é um discurso para ser resolvido depois? É
didático conhecer a relação do BCE com as taxas de juros e suas receitas
austeras; perguntem aos espanhóis, portugueses, franceses ou italianos como
vêem o euro – e seu guardião – hoje. Não escondo minha posição: meu caminho é a
centro-esquerda e não posso conceber qualquer cidadão com o mínimo de formação
nesse campo defendendo tal ação que insula decisões e inibe accountability , consagra interesses de
mercado e pode afetar, de forma negativa, as politicas públicas sociais e outras nos países emergentes
2 –
o debate sobre religião e Estado. Poderíamos começar com a laicidade, mas
deixemos isso de lado. Esta deveria ser a primeira preocupação. Por que tantos
atores do campo religioso estão no debate presidencial? Na década de 1980
atacava-se a teologia da libertação por mixar religião e política, hoje essa é
a regra. Nunca vi tantos defendendo a família cristã. Peço que defendam a sua e
deixem as dos demais cidadãos em paz. E a fixação nas relações homoafetivas? Por
que, ao invés de debates qualificados, precisamos ser homenageados com esse
Malafaia que parece surgir em toda eleição, o lamentável deputado Feliciano e o
“privatista” de ocasião chamado Everaldo? E ainda a confusa discussão sobre
impostos e igrejas. Em uma frase: que todos paguem e acabemos com isso. Mais
simples, mais efetivo e mais justo para com a sociedade. Outro tema: Aborto e
religião. Ao invés do debate sobre as condições para a saúde das mães e
crianças, ou para o direito de decisão, ou até para defender a regulação sobre
o tema perde-se tempo com falsos dilemas éticos e a “santidade” da vida. Não deve haver temas-tabu na república, todos
devem ser debatidos sem a hegemonia de pastores, padres ou moralistas de
período eleitoral. Candidatos deveriam ser, antes que evangélicos ou católicos,
cidadãos debatendo temas de interesse nacional. Marina Silva, por exemplo, não
ajuda nada neste debate.
Da mesma forma que temas polêmicos
produzem "especialistas", há outro que não ganha corpo: a mídia. Por que os
veículos de comunicação seguem intocáveis em sua concentração de poder
econômico? O que fazer se uma reputação honesta for assassinada (e elas são, em
grande velocidade) por semana sem direito de resposta imediata? Por que
publicar grampo sem áudio e ilações sem fontes são ações aceitas? E, enfim,
porque a versão ultrapassa os fatos e, quando revelam-se despropositadas, nada
é divulgado como erro? A grande imprensa no Brasil nunca erra e se dá ao
direito de impor suas pautas. Cabe à democracia estabelecer o campo para sua
ação. E Isso nada tem a ver com liberdade de expressão mas com as regras do
jogo. Tirania? Bolivarismo? Comunismo disfarçado? Somente idiotas da
objetividade, como escreveu Nelson Rodrigues, podem dizer isso. Perguntem ao
Reino Unido, essa ditadura tão cruel... . Perguntemos: algum candidato vai
debater isso? Dilma teve a Presidência e não o fez. Marina e Aécio??? Somente
com uma sonora gargalhada, pois beneficiam-se o tempo todo das ilações, versões
e imposições da grande mídia. Sobrará para um ou outro em menos de um mês, mas
eles continuarão sendo parte do mesmo jogo.
E há os temas que desaparecem nos
detalhes e se tornam genéricos sem sentido: energia, emprego, politica
industrial, ensino técnico, ensino superior, analfabetismo entre os mais
idosos, politica externa, BRIC’s, segurança (tratada aos berros, em geral, por
oportunistas), políticas públicas inclusivas, política social para além da
focalização, mecanismos de participação, impostos. Sabemos realmente o que os
honoráveis candidatos pensam desses e de outros temas? De Dilma um pouco, afinal ela
governa. Os outros dois principais adversários dela? Quase nada. De Marina,
então, coisa alguma, com idas e vindas. Dos demais, Luciana Genro se esforça,
mas os outros... . Minto, me perdoem: Everaldo
quer privatizar tudo, esse é claro e direto, mesmo que seja de um ridículo
atroz. Alguns dirão que o “povo” (a categoria sociológica – se é que pode ser
assim chamada – mais permeável que se conhece) não compreende grandes temas,
então vamos falando de coisas que “eles” entendem. Mas, ainda que existam
pessoas que “não entendam”, não seria o caso de explicitar assim mesmo? O fato
de votarem desinformados é apenas um detalhe, para aqueles que sempre apostam na incapacidade das pessoas; quando o fazem talvez tenham receio de sua própria incompetência. Como a imprensa faz o desserviço de não
debater nada em profundidade (e que não seja para atacar o atual governo) e os
apoiadores de cada um também não, ficamos onde sempre estivemos, aguardando um
veredito controlado por gaps de
informação.
Isso
tudo importa? Talvez apenas para mim, talvez para muitos. Eu apenas não gosto
de observar milhões de pessoas indo às urnas baseado em genéricos, impressões
passadas pela mídia e superficialidades. É da democracia, e suas regras, que a
maioria de votos legaliza e legitima o mandato; é da vida ganhar ou
perder. É também da política buscar
superar o genérico, as impressões passadas pela mídia e as superficialidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário