segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Participação, Ilusão, Individualismo - democracia sem instituições?

É importante recordarmos que um dos maiores desafios da democracia contemporânea é a participação, o que produz um paradoxo conhecido: abrem-se os espaços políticos e o nível de atuação dos agentes envolvidos decresce formidavelmente. Os diagnósticos são variados, mas há um acordo sobre o volume decrescente da participação em canais classicamente estabelecidos - sindicatos, associações, partidos. 
Há também outra posição, aquela que defende que estamos diante de uma nova ágora, um espaço de participação de abertura inédita: a sociedade em rede, conectada pela internet. Outros creem que isto é uma realidade tão forte que a "primavera árabe" poderia ter sido provocada pela atuação na rede e nos celulares. A recente crise na Síria é outro exemplo, pois na impossibilidade em confirmar versões, as imagens gravadas por celulares correm o mundo.  
Há juízos apressados sobre esta sociedade conectada. Em seu nome já foi decretada a morte do livro, do comércio em lojas físicas, até da eleição no nível da rua. Esta conexão inédita poderia até promover a realização de inúmeros referenduns online, revolucionando a forma de atuar dos agentes e dos eleitores. Agora a rede faz a "revolução", começando em casa e ganhando as ruas. Alguns apressados intelectuais de esquerda, aqui e alhures, logo se agitam em nome de movimentos que realizam-se fora dos canais institucionais, nas ruas e praças, criando novas formas de atuação.
Novas formas existem, é inegável. Claro que a internet é um meio para convocação e atuação. Mas, o que foi  feito deste movimento no Egito? As eleições consagraram um líder que pouco entusiasmo provoca na Praça Tahrir, os militares bloqueiam o congresso, nenhum dos candidatos mais ligados ao movimento foi ao 2°turno eleitoral. 
O mais importante movimento em curso no mundo, do ponto de vista de uma sociedade crítica, é o Occupy Wall Street. Em várias cidades americanas eles estão presentes, espalham-se pelo mundo (em SP havia alguns recentemente) e tem sido um contraponto crítico fenomenal na rede e AQUI temos um exemplo desta lógica, com o argumento da associação entre bem-estar e os Founding Fathers americanos e mostrando que as cláusulas de bem-estar não podem ser violadas por qualquer interpretação. Mas, ressalta o autor mencionado no link acima:  
a filosofia da liberdade não depende de qualquer texto escrito, ela vive e reside dentro de cada indivíduo em virtude da sua humanidade, não em virtude de qualquer governo.
Portanto, ao lado de um manifesto em defesa do bem-estar, declarações quase " anarquistas". E nos termos de um individualismo despótico que não seria estranho aos liberais do calibre de Nozik. Será coincidência?
Esta é mais uma etapa da espetacularização da vida individual. Todos se importam, todos são importantes, todos trocam experiências, todos falam de si, todos podem escrever poesias, se lamentar, se irritar e  até amar online. O recesso da esfera pública "física" permanece, mas, dizem alguns apressados, em nome de uma nova esfera pública, agora virtual. Nova vida? ainda é muito cedo. Nova ágora? O dia ainda nem começou a clarear.
E, por que diabos tantos problemas com as instituições? O sistema eleitoral não será substituído com facilidade pela ágora virtual,  o jogo da política não sera substituído pelo jogo do teclado, as pessoas não ganham as ruas porque os 140 caracteres do banalizado Twitter assim "empurram". São as regras institucionais que estabelecem parâmetros e organizam interesses, são as firmas, indivíduos, grupos e classes que se organizam em locais reais e disputam o poder. Grupos fazem lobby e greve, organizações administram gigantescos recursos materiais e humanos, partidos se estruturam buscando o poder e interagindo com tudo isso. Occupy Wall Street é muito interessante, os celulares na Síria e no Egito são ferramentas fundamentais, a internet é indispensável para mobilizar, arrecadar, atrair pessoas. Mas, sem a canalização desta energia para a mudança institucional, para ocupar o poder, para estimular estabilidade e regras de convivência, surge a utopia anarquista, a ilusão da "revolução" com as massas ou, pelo lado conservador, o fim da política e da esquerda substituída pela "sociedade dos indivíduos". É disso que se trata?

8 comentários:

  1. Realmente não é disso que se trata. os espaços públicos devem ser tomados com organização e visando as instituições. os movimentos atuais, propagados pelas novas mídias eletrônicas de fato têm o seu papel, mas por trás deles esconde-se muitas vezes a falta de visão política pragmática e realmente engajada em causas sociais. O que se observa muitas vezes é que certos protestos e movimentos são quase uma "moda".

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  2. Exemplo disso são certas reivindicações ambientalistas e certos protestos via internet mobilizados pelas classes medias contra a corrupção

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  3. Ricardo
    Obrigado por seu comentário.
    Realmente, este caráter de "moda" é verdadeiro. Precisamos apenas separar a trajetória curta daquela de maior prazo, onde pode realmente ocorrer mudança. É inegável que o espaço público mudou, mas não exatamente como querem alguns. Encontrar esta dimensão é uma grande agenda de pesquisa. É sempre preciso lembrar, como escrito em um texto de Lipovtsky, ainda que por outra chave, que a moda é o "império do efêmero"

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  4. Condé, não sei se o que temos de pensar é na substituição de instituições e parâmetros de convivência democráticos solidificados por outros virtuais, "líquidos", ou o que quer que seja. É inegável que há um entusiasmo precoce por parte da imprensa, que adora novidades quais forem, e de analistas apressados em relação ao "poder" organizacional das novas mídias e formas de relação. Em contrapartida, também considero real o desgaste não só dos 140 caracteres do Twitter, como bem frisado por você, mas também das velhas formas organizacionais e das velhacarias que as caracterizam, sobretudo no Brasil. Nosso sistema representativo quase sempre costumou ser tão ou mais fictício do que a força transformadora do Twitter: vide mais recentemente picaretagens de todos os lados, ou seja, de PT e PSDB, para arrecadar fundos de financiamento para suas campanhas. Vide a eterna promiscuidade entre esfera pública e privada, a gulodice estúpida de nossos "ricos" empresários, que querem o retorno de bilhões em poucos meses, a imbecilidade geral dos governantes, que os seguem na falta de visão estratégica de longo prazo etc. Talvez fosse o caso de repensar conjuntamente nos dois fatos sublinhados por você: tanto no julgamento superlativo sobre as novas formas de organização, quanto na refundação verdadeira do modo de se fazer política nos "velhos" moldes por aqui. Um abraço e parabéns pelo espaço de debates em alto nível.

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    1. Dmitri, como vai? Muito interessante seu espaço também.
      Veja, concordo com relação às "velhas formas organizacionais", até porque elas também são culpados pelo esvaziamento da esfera pública. A ideia de esfera pública renovada precisa incorporar novas formas de expressão - aqui entram os recursos web. Entretanto, dito isso, as instituições reais configuram constelações de comportamento em pessoas e grupos, enraizam-se, tem história. Trata-se de conjugar esse aspecto, tão classicamente sociológico, com a necessidade da pol[itca em conjugar participação e democracia. Mas isto não é simples. Vamos conversando ...

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Olá... muito bom o seu texto. Realmente, a participação pública é um desafio para qualquer governo. Seja em parte por causa do grande esforço estrutural, em outra medida por causa do esforço político que se trava. Do ponto de vista prático, a despeito do juízo de valor acerca das maravilhas da internet e de seus potenciais, o que o você acha das iniciativas do governo eletrônico em nosso país ? O governo eletrônico, em sua vertente política, pode ser o grande canalizador para que a efetiva participação pública surta o efeito desejado, não só para o bom funcionamento do estado, mas para o tão almejado bem estar social ?

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  7. Caro Herbert, obrigado por suas considerações.
    E-governement é cada vez mais objetivamente necessário para promover accountability, informação de qualidade, serviços e mecanismos interativos. Há relativo sucesso em instrumentos do governo central brasileiro, em particular o Portal da Transparência, a Receita Federal e serviços em órgãos do MEC, por exemplo. Mas, sua maior questão refere-se à política. Malgrado o fato de amargarmos limites legais para algumas iniciativas, há que se pensar em mecanismos de consulta e participação mais efetivos. Penso, por exemplo, nas agências reguladoras e audiências públicas, nas reclamações de consumidores, na oferta de serviços governamentais e como meio de consulta aberta sobre políticas públicas. Neste campo, poderia atuar não apenas como opinativa, mas também atuando em avaliação e monitoramento. é um bom tema, mas precisamos avançar muito.

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