sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Caminhos e descaminhos do PIB - uma breve reflexão

Sempre que o IBGE publica dados sobre o produto interno bruto (PIB) do Brasil a imprensa apressas-se a divulgar seus resultados - normalmente com manchetes negativas: Folha, Estado de SP, Globo, Zero Hora, Correio Brasiliense, Estado de Minas. De todos os links, apenas o do Estado de Minas tem manchete mais "neutra".  O mais significativo foi o pequeno crescimento trimestral de 0,5% ante o trimestre anterior puxado pelos gastos das famílias.
O PIB é uma medida criada na década de 30 por Samuel Kusnets, sendo a soma de todas as riquezas nacionais por todos os setores mensuradas em valores monetários e em determinado período (ano, semestre, trimestre, etc.). Observe, por favor,  o gráfico abaixo, que representa o crescimento do PIB (US$ e não ajustado pela inflação) dos BRICS entre 1960  e 2011:
  
 Não estamos no inferno, não é? Até porque, estranho, somente não expandimos mais que a China.

Agora, comparemos  o Brasil com alguns vizinhos na "latinoamerica", também em US$ e não deflacionado:


 Não é curioso? Não tão fracos assim não é?


O clássico dos neoclássicos, Alfred Marshall, escreveu que era muito importante afastar-se das árvores e ver a floresta. Até um pouco treinado olho para dados observa a diferença e o momento de "descolamento"do Brasil - 2002-2005. A variação para cima na metade dos anos de 1990 no Brasil representa o crescimento com vôo rasante proporcionado pela estabilidade do "plano real", depois retornando a curva para baixo até 2002.
Mas, sejamos justos. Vamos observar o dado segundo a renda nacional medida em "paridade poder de compra" (PPC), o que ajusta as diferenças de preços entre os países:


 Mudou muito?

Não, permanece o  Brasil em posicão relevante e de liderança isolada - quase 4 Argentinas e 9 Chiles, se me permitem.

Finamente, vamos ver um dado "negativo" para o Brasil - a renda bruta em termos per capita:

 Poderia ser melhor não?


Vamos escolher três países para comparar. Entre 2000 e 2011 o Brasil teve um crescimento populacional de 12,6%, o PIB per capita cresceu 68,6%; no Chile, a população ampliou-se 11,6% e o PIB per capita 81,3%. Que isso quer dizer? Per capita opera em relação a população e o Chile vem mantendo este crescimento vigoroso. O Brasil teve um crescimento populacional não tão distinto, mas o PIB per capita quase 13% menor. O caso do México é mais diferencial: população ampliando-se em 15% enquanto o PIB per capita avançou 80,4%, quase o mesmo do Chile. Para ilustrar a diferença de indicadores temporais, se tomarmos uma serie mais curta - começando em 2004 e chegando a 2011 - o Chile permanece destacado com crescimento per capita de outros 81% (população = +7,2%), o Brasil passa ao segundo (47%, população= +6,9%) e o Mexico cresce menos per capita: 35% (população aumentando 9,2%). Claro deve ficar que não estamos discutindo a economia de cada país, mas apenas renda per capita e produto. O Chile permanece forte e o México perdeu terreno em 8 anos. No gráfico como um todo, Brasil e Chile apresentaram curvas mais "generosas", a Venezuela flutuou muito mais e a Argentina sofreu o desmonte de sua crise entre 1999 e 2002, para depois recuperar-se com força. O efeito "fundo do poço"de seu PIB(em 2002) promoveu um vigoroso crescimento posterior. Para se ter uma ideia do estrago na Argentina, o PIB de 2008 era apenas ligeiramente maior que o de 2000.  Chile vai bem? Sim, dentro dos limites de sua economia bem adaptada à demanda internacional. O Brasil vai ao desastre? Nem de perto, nem vamos tão mal assim. O que poderia acontecer era um crescimento mais vigoroso. O Mexico inspira muito mais cuidados, inclusive devido a sua quase total dependência do mercado norte -americano e à longevidade da crise nos EUA.

Mas os dados são prisioneiros dos conceitos. PPC também significa considerar as diferenças de custo de vida entre os países, aproximando-os para efeito comparativo. O mesmo vale para o PIB. Medir a renda per capita, por sua vez, requer sempre a lembrança de que esta é proporcional a população. Como na maioria dos dados, séries temporais importam mais que dados isolados, sendo o curto prazo um dado enganoso. Dizer que o PIB brasileiro cresce "apenas" 0,6% em um trimestre e compará-lo com outro países é enganoso e pouco importante pelo menos por três motivos: o primeiro é a própria dinâmica interna de cada um, outra são as estupendas diferenças entre as economias nacionais e a terceira é o efeito de curto prazo, normalmente sazonal e menos significativo. É sempre preciso lembrar que, se observarmos Brasil e Chile em termos de complexidade econômica, o Chile é formidavelmente menos diversificado que o Brasil e nosso déficit histórico de concentração da renda é motivo suficiente para observarmos ambos com mais cuidado. 

O PIB é muito criticado porque não diferencia entre o que é produtivo ou devastador - uma guerra, os rendimentos não monetários, não reflete o desemprego ou a desigualdade, não diferencia o investimento de bem estar dos conflitos armados. Ele é filho do entre-guerras e do forte crescimento do pós-guerra, a medida de sua notoriedade também vem destes momentos. Ainda que criticado, medidas como "desenvolvimento humano" não se impõem como mensuração para contabilidade nacional. 

Por que toda esta narrativa? Porque a imprensa comporta-se sobre o PIB exatamente como comporta-se com a economia em geral: toma o aparente pelo certo, o sazonal pelo total e o "negativo" antes que o ponderado. O crescimento atual foi tímido? Com certeza. Precisamos de mais. Mas seria prudente observar outros indicadores combinados - juros, câmbio, inflação, desemprego, taxa de investimento e formação de capital fixo - para maior ponderação. Exercitar a paciência para efeitos futuros também seria de bom tom. E já que existem países sendo comparados, fazer o mesmo em relação a eles. Mas isto daria muito trabalho aos jornalistas "econômicos", que preferem o molho do caos ao tempero da inteligência.

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